Título: Em defesa de um imposto mundial
Autor: Steinbrück , Peer
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2009, Opinião, p. A15
O que deu errado nos mercados financeiros mundiais? Em poucas palavras: a implosão do admirável mundo novo das finanças modernas e a consequente crise econômica tiveram raízes na ideia de que os mercados de capitais livres e sem regulamentação sempre funcionam em prol do bem público e são suficientes para a prosperidade econômica. O prólogo para a crise foi a combinação do custo barato do dinheiro, da desregulamentação e de uma corrida dos executivos por retornos cada vez maiores, sem levar em conta os riscos associados.
Quando a bolha imobiliária estourou e os mercados financeiros desmoronaram, o crescimento caiu por todo o mundo, como não se via desde a Grande Depressão. O Produto Interno Bruto (PIB) nas economias avançadas deverá encolher cerca de 4% neste ano. As perdas do setor financeiro nesses países giram em torno de US$ 1,6 trilhão e o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que perdas superiores ao dobro disso ainda estão por vir. Os cortes de empregos continuarão. As gerações futuras estão sendo sobrecarregadas com a explosão das dívidas públicas. Levará anos até nos recuperarmos totalmente.
Apesar de todo esse sofrimento, os participantes que continuam nos mercados financeiros ganharam benefícios significativos com os pacotes de resgate governamentais. O apoio médio no G-20 ao setor financeiro é superior a 30% do PIB (incluindo injeções de capital, garantias, empréstimos do Tesouro e compras de ativos, provisão de liquidez e outros tipos de auxílio dos bancos centrais). Novas formas de financiamento e de compartilhamento do fardo fiscal terão de ganhar destaque na nossa resposta política à crise. É nesse contexto que o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, e eu apresentamos nossa proposta para um imposto mundial sobre as transações financeiras (FTT, na sigla em inglês).
Os participantes remanescentes nos mercados financeiros não estão se esforçando o suficiente nesta crise. A "Main Street" (a economia real) vê o que ocorre em Wall Street - e em Londres e Frankfurt. Os cidadãos estão cientes das centenas de bilhões de euros e dólares que vêm sendo usadas para impulsionar os bancos. O pagamento de bônus no setor financeiro, agora, é concomitante às perdas maciças de empregos na economia real.
Percebi que a resposta política para essa crise precisa incluir mais do que regimes aperfeiçoados de regulamentação, estratégias de gestão de risco e exigências de capital. A forma como os governos determinarem o compartilhamento de encargos entre Wall Street e a Main Street determinará a coesão social, a estabilidade dos mercados e a reputação dos líderes políticos nos próximos anos.
É claro, os bancos que gozam dos esquemas de estabilização financiados pelos contribuintes estão sendo cobrados, com comissões e pagamentos de compensação em troca das garantias governamentais. Isso, contudo, é insuficiente. Os participantes dos mercados financeiros precisam demonstrar ter consciência do papel que tiveram nas raízes da crise e que estão dispostos a contribuir de forma significativa para evitar sua repetição.
Um imposto mundial sobre transações financeiras, aplicado de forma uniforme em todos os países do G-20 e que englobe todas as transações financeiras, com uma taxa muito baixa, é o instrumento óbvio para assegurar que todos os participantes dos mercados financeiros contribuam igualmente. O ministro Steinmeier e eu estamos sugerindo que o G-20 adote medidas concretas para criar um FTT de 0,05% sobre todos os negócios com produtos financeiros dentro de suas jurisdições, independente se esses negócios ocorrem em bolsas ou não. Os governos nacionais poderia estabelecer um desconto pessoal, para eximir os investidores de varejo.
Baseado em cálculos do Instituto Austríaco de Pesquisas Econômicas, que estudou os possíveis efeitos de FTTs a pedido da Áustria, um FTT mundial de 0,05% poderia levantar US$ 690 bilhões por ano, cerca de 1,4% do PIB global. Tal imposto não sobrecarregaria excessivamente os participantes do mercado financeiro e levantaria um volume necessário de dinheiro para financiar os custos desta crise.
Os participantes dos mercados financeiros lutam com unhas e dentes para não pagar uma parcela justa, apresentando vários argumentos contra o FTT para camuflar sua resistência. Alguns argumentam que tal imposto levaria a reações evasivas dos participantes do mercado e que teria um efeito de distorção. Tais ações evasivas dos participantes seriam quase impossíveis se o G-20 permanecesse unido.
O volume de negócios nas bolsas do G-20 e União Europeia representa aproximadamente 97% do total mundial em ações listadas e 94% do de bônus negociados em bolsa. Como o imposto seria muito baixo e incluiria transações em mercados a vista em bolsas, de derivativos e de balcão, assim como todas as classes de ativos (ações, bônus, derivativos e câmbio), não haveria muito efeito de distorção. Não creio que esse imposto impactaria de forma significativa a liquidez do mercado, mas mesmo que afetasse, esse empurrão para a compra e manutenção do investimento não seria algo tão ruim.
O debate entre ministros das Finanças em Londres, prévio ao encontro do G-20 em Pittsburgh, revelou um consenso básico de que o peso dos encargos trazidos pela crise financeira precisa ser compartilhado de forma justa. Na reunião do G-20, foi discutido como deve ser essa divisão de fardos entre contribuintes e participantes do mercado financeiro. A chanceler (primeira-ministra) da Alemanha, Angela Merkel, registrou apoio inicial à ideia por parte do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e do presidente francês, Nicolas Sarkozy. Estamos recebendo uma onda de interesse e disposição para mais discussões sobre este tópico dentro da UE e em outros lugares.
Há argumentos bem definidos para um FTT: seria justo, não traria danos e teria muitos benefícios. Se houver uma ideia melhor para dividir os encargos de forma justa entre a Main Street e Wall Street, vamos ouvi-la. Se não houver, criemos um FTT agora.
Peer Steinbrück é ministro das Finanças da Alemanha.