Título: Foco nos países emergentes move setor de TI
Autor: Waters , Richard
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2009, Empresas, p. B3

As linhas de produção de equipamentos eletrônicos da Jabil Circuit estão trabalhando mais ultimamante. A fabricante terceirizada de interruptores de rede, controles industriais e outros equipamentos, que trabalha para companhias bem mais conhecidas como a Cisco Systems, a Nokia e a Hewlett-Packard (HP), está no meio do que Tim Main, seu executivo-chefe, chama de recuperação "ampla" mas decididamente "modesta".

Presente em muitos mercados diferentes, a companhia americana Jabil é um barômetro apropriado do mundo amplo da tecnologia, à medida que tenta superar a segunda recessão grave em menos de uma década.

Lucros surpreendentemente robustos anunciados na semana passada por companhias como a IBM, a Intel e o Google, enfatizam esse ponto. Após uma curta e acentuada retração que lançou o setor nas profundezas da crise financeira, a indústria tecnológica já começou a recuperar o equilíbrio com uma rapidez muito maior que a esperada por muitos especialistas.

Por sua vez, esta evidência de uma tentativa de revitalização vem alimentando uma esperança muito maior: a de que uma onda de inovações poderá estimular o crescimento da economia nos Estados Unidos e em outros países. Dos gastos do governo com novas tecnologias "verdes" aos registros automatizados na área de saúde, e a mais nova rodada de ferramentas de comunicações e redes de relacionamentos baseadas na internet, o setor de tecnologia está sendo visto como um raro ponto de luz.

A trajetória provável da recuperação que começa a se desenhar está sujeita a grande discussão no setor e em Wall Street. Seja qual for a força desta recuperação, porém, já está ficando claro que o próximo ciclo tecnológico será diferente do que veio antes em alguns aspectos importantes - especialmente na representação de uma mudança significativa da influência do mundo emergente.

Os investidores já estão fazendo uma aposta sólida na virada do ciclo, o que levou o índice Nasdaq, formado por muitas ações de companhias de tecnologia, a acumular uma valorização de 70% desde o ponto mais baixo atingido por ele em março. Por trás dessa recuperação está a crença de que a interrupção dos investimentos corporativos, que respondem pela parte do leão na demanda tecnológica, vão se recuperar rapidamente depois que as turbulências no setor financeiro passarem.

Em dólares, o colapso dos investimentos no último ano se parece muito com o que se seguiu ao boom de tecnologia no fim da década de 90 - no entanto, quando medido em moedas locais, ele se mostra um pouco mais brando.

Os gastos totais dos governos e empresas de todas as partes do mundo com tecnologia este ano vão cair 11,4%, ou US$ 190 bilhões, para US$ 1,474 trilhão, segundo a Forrester Research. No entanto, a consultoria acredita que, ao contrário do que aconteceu logo depois do último estouro da bolha tecnológica, na virada do século, uma recuperação acelerada vai acontecer à medida que as condições financeiras forem melhorando. "O corte nos investimentos vai ser revertido muito rapidamente - será uma recuperação na forma de um "V" clássico", prevê Andrew Bartels, diretor de pesquisas da Forrester.

Mas a maioria dos executivos do setor não está vendo a coisa assim. "A alta dos preços das ações parece ter se distanciado da recuperação em termos práticos da força dos negócios", afirma Craig Mundie, diretor de estratégia e pesquisas da Microsoft. "Achamos que esta recessão não é igual às outras. Ela foi mais parecida com uma reinicialização global, a partir de onde haverá um crescimento mais lento."

Esse estado de ânimo estava refletido em executivos de outros setores na semana passada, enquanto eles tentavam manter a confiança de que a recessão já é coisa do passado, mas cautelosos com a velocidade e força de qualquer recuperação da demanda. Com a maior parte dos clientes corporativos ainda nos processos iniciais de definição dos orçamentos de investimentos para o ano que vem, poucos no setor de tecnologia estão preparados para antecipar mais coisas para 2010, a não ser que os orçamentos estejam a par dos níveis deprimidos de 2009.

Pode ser que isso represente simplesmente um desejo de administrar as expectativas de Wall Street, com os executivos prometendo menos coisas agora, na esperança de serem recompensados pelo anúncio de surpresas positivas nos próximos anos. Mas é mais provável que isso reflita uma cautela genuína nascida da recessão e seu período posterior de altas incertezas.

"O último ciclo foi de certa forma uma coisa única", diz Kris Gopalakrishnan, executivo-chefe da Infosys, a companhia indiana de serviços de tecnologia da informação. Assim como outros, ele alerta que os investimentos foram artificialmente altos na década de 90: "Havia bolhas múltiplas ocorrendo e muita alavancagem [a tomada excessiva de empréstimos] - era um ambiente incomum".

No fim das contas, a trajetória desta recuperação tecnológica ainda é desconhecida. Mas com o setor se preparando para seu próximo ciclo, já se pode vislumbrar uma série de coisas.

Uma delas é que os custos, e não as receitas, continuarão sendo o foco prioritário no curto prazo. O mercado de ações tem recompensado as companhias de tecnologia que estão sustentando suas margens de lucro durante a recessão, cortando os custos. Por enquanto, isso continuará sendo a maneira mais garantida de proteger e aumentar os lucros.

Com o que ele espera que será uma recuperação "longa, superficial e lenta" em perspectiva, Main, da Jabil, alerta que as pressões sobre os custos continuarão intensas. "Estamos trabalhando no controle de estoques e permanecendo bem enxutos e controlados", diz o executivo.

A expectativa geral é de que o crescimento no próximo ciclo será menor que o do anterior e por isso haverá um prêmio ainda maior ao controle de custos, segundo afirma Mundie. Isso aponta para uma aceleração das tendências que ficaram aparentes antes da recessão: uma transferência maior da produção para centros onde os custos são menores, nos países emergentes, uma maior consolidação do setor à medida que os sobreviventes tentarão reduzir os custos e se mover em direção a mercados relacionados, na caça por novas fontes de crescimento.

Conforme sugere o recente aumento das fusões e aquisições no setor, nem os compradores, nem os vendedores estão sentindo mais as incertezas paralisantes que congelam os negócios em uma recessão.

Na tentativa de conquistar novos mercados, por exemplo, a fabricante de equipamentos de rede Cisco fechou este mês duas aquisições no valor de US$ 3 bilhões, que a levarão mais longe nos mercados de videoconferência e de redes móveis.

"As companhias de tecnologia estão com os balanços limpos e em busca de crescimento", afirma Christopher Varelas, um ex-banqueiro de investimento e fundador da Riverwood Capital, uma empresa de "private equity" do Vale do Silício. "A única maneira de estar na frente dessas tendências é a consolidação global."

Um segundo aspecto do novo mundo tecnológico é que os serviços de tecnologia da informação estão assumindo uma posição central, à medida que os fabricantes de equipamentos em particular tentam se afastar da dependência que têm das vendas altamente cíclicas.

Ninguém quer seguir os passos da Sun Microsystems, uma das maiores fabricantes de servidores do mundo que recentemente foi adquirida pela Oracle, a fabricante de softwares. A Sun, que já estava lutando para lidar com as mudanças em direção à tecnologia de nova geração de baixos custos no mercado de servidores, para as quais estava malpreparada, sofreu uma queda de 38% nas vendas de seus produtos no segundo trimestre.

Os serviços representam uma fonte de receita mais constante, graças em parte à natureza de longo prazo dos contratos. Eles também vêm do orçamento operacional de uma companhia, e não do orçamento de capital estabelecido para grandes compras tecnológicas, o que os torna menos vulneráveis às oscilações dos investimentos corporativos.

Isso ajudou a desencadear um realinhamento da tecnologia da informação que há muito era previsto, com os fabricantes de equipamentos diversificando-se para a área de serviços. No mês passado, a Xerox fechou a compra da companhia de serviços ACS por US$ 6 bilhões, enquanto a Dell comprou a Perot Systems por US$ 3,9 bilhões. Esses negócios acontecem na esteira da aquisição da EDS pela Hewlett-Packard por US$ 13,9 bilhões no ano passado. A diversificação para os serviços e a crescente integração vertical que está ocorrendo na tecnologia da informação são tendências que deverão continuar, segundo afirma Gopalakrishnan.

Um terceiro resultado da mais recente retração tecnológica vem sendo o foco mais estreito nas poucas áreas que ainda prometem um crescimento significativo.

Os departamentos de TI das empresas estão desistindo dos projetos menos importantes e concentrando os gastos nos poucos que prometem um retorno rápido ou uma transformação corporativa autêntica, afirma Bridget van Kralingen da divisão global de serviços da IBM. "Estamos vendo um fechamento e consolidação de projetos - e um reforço dos grandes", acrescenta ela. Como sempre acontece no setor de tecnologia, as empresas que antecipam os próximos mercados promissores tendem a se sair bem, mesmo que não haja um crescimento do bolo.

Enquanto isso, a busca pelo crescimento vem levando a um foco nos clientes baseados no mundo emergente. Graças às contínuas taxas elevadas de crescimento e a necessidade de infraestrutura - de novas redes de telecomunicações para sistemas bancários e redes de transmissão de energia inteligentes, capazes de distribuir eletricidade com mais eficiência -, esses países deverão assumir uma importância muito maior no mercado.

Embora representem atualmente apenas 21% dos investimentos globais em tecnologia da informação, mais da metade dos novos investimentos em tecnologia ao longo dos próximos quatro anos virá dos países emergentes, segundo a consultoria IDC.

Isso sugere que no ciclo tecnológico que está apenas começando, os países emergentes irão, pela primeira vez, exercer uma influência poderosa enquanto fontes principais de nova demanda, além de fontes principais de oferta.

Após passar muitos anos tentando vender para os países emergentes versões de produtos criados para o mundo desenvolvido, as companhias ocidentais começaram a dar mais ênfase nas tentativas de criar tecnologias mais adequadas para esses mercados. Mas elas agora enfrentam uma competição crescente dos fornecedores locais cada vez mais confiantes em projetar e comercializar seus próprios produtos, em vez de seguirem padrões e projetos criados em outros lugares.

Para um setor cujos mercados iniciais estavam no mundo desenvolvido, e cujos maiores nomes estão em grande parte baseados nesses países, isso deverá representar uma mudança profunda.

Para a Microsoft, lidar com o mundo em desenvolvimento costumava envolver apenas tentar combater a pirataria sobre seu sistema operacional Windows. Hoje em dia, é mais uma questão de alimentar os países que a companhia acredita que serão seus próximos grandes mercados - e encontrar maneiras de adaptar seu tradicional modelo de negócios com o software aos clientes cada vez mais importantes.

"A parte principal de nossos negócios cresceu nas sociedades ocidentais numa época em que o primeiro computador de uma pessoa era o PC", diz Craig Mundie, diretor de estratégia e análises da companhia. "Mas para muitas, muitas pessoas do mundo em desenvolvimento, é mais provável que o primeiro computador venha a ser um telefone celular e até mesmo a televisão."

Os investimentos combinados em tecnologia da China, Brasil e Índia este ano, de US$ 125 bilhões, atingirão apenas um quarto dos investimentos nos Estados Unidos , segundo a IDC. Mesmo assim, projeções apontam que até 2013 esses investimentos crescerão US$ 72 bilhões - o mesmo aumento em dólar que o esperado para o mercado americano, que é muito maior.

Para ter acesso a esses investimentos, companhias como a Microsoft vêm procurando meios de fornecer produtos que reflitam melhor o nível de desenvolvimento econômico e tecnológico dos países envolvidos. "Não acho que estejamos sendo relutantes, afirmando que o que conta é os PCs e o velho modelo de negócios e nada mais", afirma Mundie. "Estamos complementando isso e evoluindo em uma base firme nos últimos cinco anos."

Um resultado dessa estratégia, acrescenta ele, será uma aceleração da mudança para os serviços e um distanciamento da cobrança por softwares da maneira tradicional. Isso reflete, em parte, a situação da tecnologia disponível no mundo emergente: com o uso disseminado de equipamentos de informática menos potentes, como os telefones celulares, haverá um uso maior de serviços rodando nos centros de dados das companhias, que usam menos memória e capacidade de processamento. A mudança para os serviços também resultará de uma incapacidade dos clientes de pagarem grandes somas adiantadas.

Um resultado dessa diferença é que as companhias vão se concentrar nos serviços de assinatura on-line para os clientes, em vez de apenas tentar vender pacotes de software. "Ninguém foi muito longe, em termos globais, com a venda de aplicativos de produtividade empresarial, mas começamos a ver o surgimento disso", afirma Mundie. "Especialmente nos mercados emergentes isso poderá acabar sendo uma oferta muito importante para pequenas e médias empresas, em grande parte mal-atendidas pela tecnologia."

Os serviços também terão uma maior importância no mercado consumidor, com a propaganda e os mecanismos de busca, como o Bing da Microsoft, sendo as principais maneiras de se ganhar dinheiro. Mas embora esta seja uma abordagem de negócios familiar nos mercados desenvolvidos, é improvável que ela se mostre tão atraente no mundo em desenvolvimento, alerta Mundie. "Só porque você pode ganhar dinheiro com anúncios nos EUA, não significa necessariamente que todas as pessoas que terão acesso a isso em um mercado emergente serão alvos igualmente interessantes para os anunciantes." (Tradução de Mario Zamarian)