Título: Como a economia caiu tanto assim?
Autor: Wolf , Martin
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2009, Opinião, p. A13

Como a economia mundial caiu em um buraco tão profundo? Está se recuperando agora, mas dolorosamente, apesar do inédito afrouxo fiscal e monetário. Além disso, qual a probabilidade de que uma economia mundial equilibrada surja dessa alimentação forçada? O próprio fato de que tais ações drásticas foram necessárias é aterrorizante. O fato de haver pouco espaço para uma repetição da política é ainda mais aterrorizante. E o pior de tudo é que esta não é a primeira vez nas últimas décadas em que a economia mundial teve de ser conduzida em meio a desmoronamentos pós-bolhas.

Em seu livro mais recente, "Valuing Wall Street"*, lançado a tempo de alertar os leitores para evitar o naufrágio de 2000, Andrew Smithers, da Smithers & Co., de Londres, oferece um guia sobre os erros passados de análises e políticas. Ele é um guia raro - um homem com profundo conhecimento de economia e com toda uma vida de experiência em mercados financeiros. Seu trabalho ajuda a explicar a bolha do mercado acionário dos anos 90, os erros fiscais de Gordon Brown e os recentes excessos de crédito.

Os principais pontos do livro são quatro: 1) os mercados de ativos são apenas "imperfeitamente eficientes"; 2) é possível determinar o valor dos mercados; 3) desvios imensos para cima no valor justo - as bolhas - são economicamente devastadores, particularmente se associados ao aumento na concessão de crédito e à subestimação da liquidez; e 4) os bancos centrais deveriam tentar furar tais bolhas. "Precisamos estar preparados para considerar a possibilidade de que recessões moderadas periódicas são um preço necessário para evitar as grandes". Eu não estava disposto a aceitar essa visão. Isso não é mais verdade.

A hipótese dos mercados eficientes, que teve papel dominante na economia financeira, propõe que todas as informações relevantes estão no preço. Os preços, então, variam apenas em reação às notícias. Os movimentos do mercado são um "passeio aleatório". Smithers mostra que essa conclusão é empiricamente falsa: os mercados acionários exibem "correlação serial negativa". Em termos mais simples, os retornos reais dos mercados acionários provavelmente serão menores se recentemente tiverem sido altos e vice-versa. O momento apropriado para comprar não é quando estão bem, mas quando vão mal. "Os mercados giram em torno do valor justo". Há motivos para acreditar, como Smithers também mostra, que isso vale para outros mercados de ativos reais - incluindo o residencial.

Uma objeção comum é que se os mercados desviam-se do valor justo, certamente proporcionarão oportunidades de arbitragem. Smithers demonstra que o período de tempo ao longo dos quais os mercados desviam-se é tão extenso (décadas) e sua variação é tão imprevisível, que essa oportunidade não pode ser explorada. Um vendedor a descoberto quebrará muito antes de a ênfase no valor voltar. Da mesma forma, alguém que capte empréstimo para comprar ações quando estão baratas tem uma grande chance de perder tudo antes de a aposta render algo. A dificuldade de explorar tais oportunidades é grande para os administradores profissionais, que perderão clientes. O cemitério das finanças é ocupado pelos que estavam certos cedo demais.

Smithers propõe duas medidas fundamentais de valor - "Q", ou a razão da cotação, que relaciona o valor de mercado das ações ao patrimônio líquido das empresas, e a razão de preço sobre lucro ciclicamente ajustada, que relaciona o valor atual de mercado a uma média móvel de dez anos dos lucros reais passados. Os dois cálculos mostram resultados similares. Os gestores profissionais usam muitos outros métodos de avaliação, todos falsos. Como Smithers ressalta mordazmente: "As abordagens inválidas de avaliação normalmente pertencem ao mundo dos corretores e executivos de banco de investimento, cujo objetivo é a busca da comissão, em vez de a busca da verdade."

Os mercados imperfeitamente eficientes giram em torno do valor justo. Mas, no fim, forças poderosas os trarão de volta. Árvores não crescem no céu e os mercados não alcançam valores infinitos. Quando as ações chegam a valores absurdos, os investidores deixam de comprar e começam a vender. No fim das contas, o valor das ações voltará a acompanhar o valor - e os lucros - das empresas. Os preços residenciais, no longo prazo, também se relacionarão com a renda.

Qualquer um interessado em investir terá muito a ganhar com a leitura do livro. Entenderão, por exemplo, por que a estratégia de "comprar" e "manter", defendida por muitos assessores, mesmo no auge da bolha do mercado acionário, foi tão catastrófica. O valor importa, como Warren Buffett diz com tanta frequência.

Além disso, para os interessados em política econômica, os argumentos de Smithers têm significado mais amplo. Se os mercados podem ser avaliados, é possível dizer se estão entrando em território de bolhas. Também sabemos que o estouro de grandes bolhas pode ser economicamente devastador. Isso é particularmente verdade quando associado ao aumento no crédito.

Essa também é a conclusão de um capítulo significativo do mais recente Panorama Econômico Mundial. Em circunstâncias extremas, a política monetária perde seu impacto à medida que o sistema financeiro é descapitalizado e os captadores de empréstimos quebram. O que vemos, então, é o que Keynes chamou de "empurrar uma corda".

Então, quais são as lições de políticas? O Fundo Monetário Internacional (FMI) conclui, ponderadamente: "Simulações sugerem que o uso de um instrumento macroprudencial criado especificamente para moderar os ciclos dos mercados de crédito ajudaria a conter os mecanismos aceleradores que inflam a expansão do crédito e do preço dos ativos. Além disso, uma reação monetária mais forte a sinais de sobreaquecimento ou de uma bolha no preço dos ativos ou no crédito também poderia ser útil." Smithers sugere que as autoridades monetárias deveriam monitorar o preço das ações, das residências e da liquidez. Se um desses - ou especialmente se os três - enviar sinais de alerta, os bancos centrais devem reagir. Ele recomenda medidas de elevação das exigências de capital dos bancos nas ondas de expansão. Eu também apoiaria medidas que limitassem diretamente a alavancagem entre os captadores de empréstimos, enquanto os preços dos ativos decolam, particularmente, os preços residenciais.

Acabou a era em que os bancos centrais podiam ter como alvo a inflação e presumir que o que ocorria nos mercados de crédito e ativos não eram de sua conta. Os preços dos ativos não apenas podem ser avaliados; precisam ser. "Ir contra o vento" exige discernimento e sempre será algo controverso. As políticas monetária e de crédito também perderão sua simplicidade. Ter simplesmente a inflação como alvo e a crença nos mercados eficientes provou estar errado. Essas crenças precisam ser abandonadas.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT. *Wall Street reavaliada: mercados imperfeitos e presidentes ineptos de bancos centrais, Willey 2009.