Título: Editoras recebem Kindle com cautela
Autor: Brigatto , Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2009, Empresas, p. B3
A chegada oficial do Kindle ao Brasil despertou uma discussão que tem incendiado os meios acadêmicos em várias partes do mundo. Mas a despeito do barulho provocado pelo leitor eletrônico de livros da Amazon.com, a perspectiva do setor - compartilhada por editoras e livrarias - é de que no curto prazo o dispositivo não vai provocar nenhuma mudança radical nos negócios.
No dia 7, a Amazon anunciou que o aparelho- uma espécie de prancheta digital na qual é possível ler livros, revistas e jornais - estaria disponível em mais de cem países, incluindo o Brasil. Os clientes brasileiros já podem encomendar o equipamento no site da empresa americana. A previsão é de que as primeiras unidades sejam entregues a partir do dia 19.
A discussão em torno do Kindle e de outros aparelhos semelhantes, como o Sony Reader, é polêmica e instigante: afinal, será que depois de séculos o livro em papel vai desaparecer, substituído por uma versão digital dos textos?
"No curto prazo, essa tecnologia não terá nenhum impacto nos negócios", diz Antônio Erivan Gomes, diretor comercial da editora Cortez. A empresa acompanha o movimento com interesse, mas ainda não tem uma estratégia montada para levar seu catálogo - formado em parte por livros técnicos - para o novo formato.
A Martin Claret, editora que tem 95% de sua oferta composta por livros de bolso, também não tem uma posição definida sobre o formato digital. Uriel Fernandes, diretor comercial da editora, prevê um impacto significativo no negócio, mas não crê que ele será imediato. "O livro de papel não acaba, mas com certeza veremos uma queda nas vendas nos próximos quatro a cinco anos", diz.
Um dos fatores que reduzem a força do lançamento no mercado brasileiro, segundo os profissionais do setor, é o preço do equipamento. A versão internacional do Kindle sai por US$ 279, mas com os impostos de importação e o valor do frete, o consumidor terá de desembolsar US$ 585,32 para receber o dispositivo em casa. "São mais de mil reais, o que requer um investimento alto", afirma Gomes, da Cortez.
Outro fator que pesa é a falta de títulos em português. Enquanto uma livraria comum trabalha, em média, com 15 mil a 20 mil títulos, o acervo digital da Amazon já chega a 200 mil obras. A diferença é que a maioria dos livros oferecidos pela Amazon está em inglês, o que deixa de fora boa parte dos leitores brasileiros, que não falam o idioma, argumenta Vitor Tavares, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL).
O próprio consumo de livros per capita no Brasil é outro empecilho, diz Tavares. Em média, o leitor brasileiro compra 1,2 livro por ano. Com esse perfil, afirma o presidente da ANL, tecnologias como o Kindle podem estimular a leitura entre a pequena parcela da população que já lê regularmente, mas seu poder para expandir esse universo é limitado.
Isso não quer dizer, porém, que editoras e livrarias não estejam atentas ao movimento digital. O setor não quer passar pela mesma experiência que atingiu a indústria da música. Anos atrás, as gravadoras não deram atenção ao negócio on-line e, por isso, acabaram perdendo relevância em seu próprio território.
A pirataria - que há tempos assola o setor de música e recentemente passou a amedrontar a indústria do cinema - é menos temida no caso dos livros. "Nosso mercado é diferenciado", diz Gomes, da Cortez. Digitalizar uma música e colocá-la de graça em um site ilegal de compartilhamento de arquivos é muito mais fácil do que copiar um livro inteiro e oferecê-lo por meio de um sistema que respeita os direitos autorais, caso do Kindle.
Mas a exemplo da música há o risco de perder espaço para forasteiros que agem legalmente. O maior exemplo é a Apple. Originalmente uma fabricante de computadores, a companhia tornou-se a maior vendedora de música do mundo, com mais de um bilhão de canções baixadas por meio de sua loja virtual iTunes.
Com seu movimento internacional, a própria Amazon caminha para se firmar como uma referência global no comércio de livros. Outra marca que tem atuado fortemente na área é o Google, que está digitalizando livros de domínio público e busca acordos com editoras e autores em todo o mundo, numa iniciativa controversa, com reflexos judiciais.
O Kindle estreia no Brasil com a presença de um jornal de circulação nacional. "O Globo" já oferece uma edição formatada para o aparelho. Em abril, antes mesmo de a companhia americana anunciar a versão internacional do equipamento, a Infoglobo, controladora do jornal, procurou a Amazon para testar o modelo. "O movimento está completamente alinhado com nosso posicionamento, já que vínhamos experimentando outros meios digitais, como a internet e o celular", diz Fernanda Pellegrini, gerente de inovação da Infoglobo.
Por enquanto, diz Fernanda, o objetivo é avaliar a aceitação do produto. Transformar isso em um negócio consistente ainda levará tempo. O modelo comercial é uma cópia da estratégia tradicional de atuação. Os usuários podem comprar edições avulsas por US$ 0,99 ou assinar o jornal mensalmente, por US$ 15,90, tudo pelo site da Amazon.