Título: Voto facultativo faz de conta
Autor: Jerônimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2010, Política, p. 6

Eleições

Senado aprova projeto que permite ao eleitor deixar de votar e não sofrer sanções pela falta. Mas ainda seria preciso pagar multa, após três eleições ausente, para não ter o título cancelado

O Senado aprovou ontem proposta que cria o ¿voto facultativo de faz de conta¿. O projeto, de autoria e relatoria de parlamentares do DEM, acaba com as penalidades estipuladas pela burocracia estatal aos eleitores que deixarem de votar e justificar a ausência no dia da eleição. A proposta do senador Marco Maciel (DEM-PE) estava parada na Casa desde 2006 e só ontem foi analisada, em caráter terminativo, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O relator da matéria, Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), deu parecer favorável e incluiu apenas uma emenda determinando que o eleitor não sofrerá sanções se não votar, mas precisará pagar multa e manter o título de eleitor devidamente registrado na Justiça Eleitoral (leia quadro abaixo).

O empenho do DEM em aprovar mecanismo que flexibiliza o voto no país chamou a atenção de acadêmicos e políticos ligados à mobilização dos partidos, principalmente no interior do país. Conhecido como um partido conservador, com raízes em localidades onde a produção agrária impõe-se às atividades industriais, o ex-PFL tem perdido terreno para o PT entre os eleitores de municípios menores, geralmente comandados por caciques.

O cientista político e professor da Universidade de Brasília David Fleischer analisa que os eleitores ¿temiam¿ mais as sanções estipuladas pelo Estado (como impedir que eleitores faltosos tomassem empréstimos em bancos públicos, fizessem concurso e fossem impedidos de tirar documentos) do que pagar multa à Justiça Eleitoral. ¿A multinha ainda ficou, mas o que dava mais medo no eleitor eram essas penalidades, como não poder matricular na universidade, não tirar empréstimo no banco, fazer hipoteca, as penalidades da burocracia. Entendo isso como voto facultativo faz de conta. Agora vai ser mais difícil mobilizar e fazer o pessoal votar¿.

Interesse Fleischer observa que a popularização do PT, ancorado pelo Bolsa Família e pela figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tomou do DEM grande parte do eleitorado que comparecia às urnas empurrado pela obrigatoriedade do voto e pelo compromisso com o político de características paternalistas, mais comum em siglas conservadoras. O deslocamento eleitoral dos partidos explicaria, em parte, a decisão do DEM em defender a bandeira do voto flexível. ¿É um pouco destoante. O PFL era um partido que defendia o voto obrigatório para forçar o eleitor a votar. É inusitado patrocinar isso. O PT tinha uma posição na Constituinte, que o alistamento fosse obrigatório e o voto facultativo, porque o PT achava que era o partido com mais facilidade de mobilizar o eleitor¿.

O autor do projeto afirma que ainda é a favor do voto obrigatório, mas que considera as restrições ao cidadão de ¿constitucionalidade duvidosa¿, porque violam direitos fundamentais. ¿Continuo defensor do voto obrigatório. Entendo que o voto não é só um direito, mas um dever¿, afirmou Marco Maciel.

O secretário nacional de organização do PT, Paulo Frateschi, critica a aprovação da medida fora de uma reforma política. Para Frateschi, ainda é cedo para atribuir a proposição de acabar com o voto obrigatório ao contexto partidário do DEM, mas o secretário afirma que o PT ganhou espaço no interior do país, em áreas anteriormente dominadas pela legenda de oposição. ¿Não é justo pegar uma questão dessas e pinçar. Isso é casuísmo total. Tem que colocar em um conjunto. Não temos nenhuma pesquisa para mostrar se mudaria ou não (votação do PT e do DEM sem as sanções pela ausência não justificada). Mas é fato que o PT chegou bastante no interior e houve uma queda visível do DEM¿.

Eleitor punido

Quem deixa de votar hoje pode sofrer algumas sanções:

Não pode participar de concurso público

Perde a possibilidade de ser nomeado em função pública

Não pode receber nenhum tipo de pagamento de órgãos ou entidades da administração pública

É impedido de participar de licitações promovidas por órgãos governamentais

Perde o direito de obter empréstimos de bancos públicos

Não consegue obter carteira de identidade ou passaporte

É impedido de participar de vestibulares para se matricular em universidades e estabelecimentos de ensino federais

Sofre bloqueio na obtenção de nada consta em relação à quitação do serviço militar ou situação perante a Receita Federal

Se o projeto for sancionado, as regras serão as seguintes:

A multa que varia de 5% a 20% do salário mínimo permanece.

Com isso, o eleitor que deixar de votar pode pagar de R$1,05 a R$ 35,10 se decidir não registrar sua opinião nas urnas

O eleitor que deixar de votar pode pagar a multa para estar em dia com a Justiça Eleitoral. Se, em três eleições consecutivas, ele não votar, justificar ou pagar a multa, terá o título automaticamente cancelado

Eleitores com o título cancelado ou jovens e adultos que não constarem no sistema de alistamento da Justiça Eleitoral podem sofrer as mesmas oito sanções previstas anteriormente para quem não votar

Apenas a posse do título não credencia o eleitor que não votou a provar que está inscrito na Justiça Eleitoral. Se o cidadão não tiver votado e quiser participar de um concurso, por exemplo, precisará apresentar um certificado atualizado comprovando o alistamento

Regra não vale agora

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Demostenes Torres (DEM-GO), afirmou que mesmo se a Câmara votar a toque de caixa o projeto de autoria de Marco Maciel (DEM-PE) não vale para este ano a proposta de acabar com as sanções previstas para eleitores que não comparecerem às urnas. ¿Não valerá para agora, não pode entrar em vigor. Toda modificação eleitoral tem que ser aprovada pelo menos um ano antes da disputa¿, explica.

O senador admite que a proposta cria o voto livre ao acabar com penalidades como impedimento de pegar empréstimo em bancos e se matricular em universidades. ¿Na prática, é voto facultativo¿. Demostenes discorda da tese de que a suposta liberdade de escolher ou não votar teria mais impacto entre os eleitores de cidades menores e com menor índice de escolaridade. Para o parlamentar do DEM, o eleitor mais politizado é que usará o artifício para não comparecer às urnas. ¿O eleitor que deixa de votar é o mais consciente, é o eleitor desiludido¿.

O autor da proposta que flexibiliza o voto, senador Marco Maciel (DEM-PE), não concorda que o projeto cria uma espécie de voto facultativo. Para ele, a multa, apesar de ter valor considerado baixo, já é uma medida para fazer com que o eleitor cumpra seu dever cívico. O limite de três eleições para que o cidadão fique sem votar também seria um inibidor. ¿São medidas suficientemente desestimuladoras do absenteísmo voluntário do eleitor¿, analisa. A matéria foi aprovada por em decisão terminativa na CCJ do Senado e será encaminhada para análise na Câmara.

Não valerá para agora, não pode entrar em vigor. Toda modificação eleitoral tem que ser aprovada pelo menos um ano antes da disputa¿

Demostenes Torres, Senador