Título: Consumo ladeira acima
Autor: Gonçalves, Marcone
Fonte: Correio Braziliense, 09/06/2010, Economia, p. 13

Velocidade de expansão diminui um pouco, mas compras das famílias devem continuar impulsionando nível de atividade

O consumo das famílias não para de crescer há 26 trimestres consecutivos. Nos primeiros três meses de 2010, no entanto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou uma pequena desaceleração no ritmo. Nada que preocupe, segundo os analistas. Assim como ocorreu durante a crise internacional, a ida às compras continuará sustentando os próximos saltos do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, mas em proporção menor do que antes.

Entre janeiro e março deste ano, houve um pulo de 1,5% na comparação com o quarto trimestre de 2009. Tomando por base o período imediatamente anterior, ao longo do ano passado, a taxa foi perdendo força: 2,9% no segundo trimestre, 2,5% no terceiro e 2,1% no quarto.

Apesar da trajetória, quando confrontado com o primeiro trimestre de 2009, o consumo(1) das famílias avançou 9,3%. Segundo o IBGE, a desaceleração é normal, uma vez que o índice vinha experimentando expansões grandes desde 2003. Em valores correntes, o indicador não foi nada desprezível no primeiro trimestre.

Foram R$ 526,7 bilhões, enquanto o governo, por exemplo, consumiu R$ 157,3 bilhões.

A dona do supermercado Bom de Preço, em Taguatinga, Taísa Jane, é testemunha não só do aumento dos gastos como da mudança de hábitos do consumidor. Ela relata que, quando abriu o estabelecimento há 15 anos ¿ uma pequena loja de apenas 50 metros quadrados ¿, o consumo básico se restringia a arroz, feijão, óleo e açúcar. Hoje, o perfil é completamente diferente.

Bons produtos ¿O poder aquisitivo da região é razoável e, no supermercado, só temos produtos de primeira linha¿, revelou. De acordo com Taísa, o crédito mudou os hábitos dos consumidores. ¿Com a possibilidade de parcelar as compras, mesmo não tendo o dinheiro no bolso, as pessoas não deixam de comprar. E não é só comida de boa qualidade. Os produtos de higiene e de beleza não param nas prateleiras¿, disse.

Uma alimentação adequada é a prioridade da dona de casa Zilma Pires de Almeida. ¿Não deixo de comprar bons produtos. Aproveito as ofertas e as promoções¿, garantiu. As duas filhas, que trabalham fora, são responsáveis pelo sustento da família, enquanto ela cuida dos afazeres domésticos.

Carrinhos cheios O casal Sideny José dos Santos e Meire Vânia não costumam economizar nas compras do mês. Quando vai ao supermercado, volta com dois carrinhos cheios, incluindo vários produtos supérfluos, os preferidos da única filha do casal. ¿Mas não é todo mês que dá para comprar o supérfluo¿, admitiu Meire. Quando o dinheiro acaba, ela usa o cartão de crédito. Dessa forma, consegue um prazo maior para pagar as compras.

Venda de automóveis A força do consumo das famílias reflete-se diretamente nas vendas de automóveis. Elas tiveram o melhor desempenho para os meses de maio, mesmo tendo caído um pouco, pelo segundo mês consecutivo. Foram 251,1 mil unidades, numa alta de 1,7% em relação ao mesmo período do ano passado.

Investimento atinge 18% do PIB

Depois de dois anos patinando, o investimento produtivo reagiu, voltou aos níveis pré-crise e saltou de 16,3% para 18% do Produto Interno Bruto (PIB) na comparação entre o primeiro trimestre de 2010 e o mesmo período de 2009. Em um claro sinal de que a economia engatou a quinta marcha, o saldo demonstra que o país não só ampliou seu potencial de crescimento, como conseguiu esse feito sem fazer a inflação extrapolar o teto da meta definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 6,5%. Ainda assim, os economistas avaliam que esse ritmo é insuficiente para garantir a expansão sustentada do nível de atividade. Para isso, o total investido deveria girar em torno de 25% do PIB.

Com o resultado dos investimentos, diminui a necessidade de o Banco Central elevar os juros básicos (Selic) na intensidade que pretendia até o fim do mês passado. Os analistas de mercado são quase unânimes em afirmar que o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentará os juros em 0,75 ponto percentual hoje, elevando a Selic de 9,50% ao ano para 10,25%. Especialistas consultados pelo Correio dizem que os riscos inflacionários já foram debelados e não há mais justificativa para um aperto muito severo da política monetária, especialmente diante do agravamento dos problemas fiscais nos países ricos.

O empresário Gilmar Farias, por exemplo, acredita que o Brasil deixou a crise para trás. Ele acaba de inaugurar, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) de Brasília, a concessionária Yuan Veículos, voltada para a venda de utilitários das marcas Towner e Topic. No empreendimento, investiu R$ 2 milhões. ¿É o investimento certo no momento certo. O mercado de utilitários tem potencial e nós vamos cultivar esse nicho¿, disse.

Máquinas A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador que mede o quanto as empresas investiram, cresceu 7,4% entre janeiro e março de 2010 ante o quarto trimestre de 2009 e 26% na comparação com o primeiro trimestre do ano passado. Trata-se da maior alta desde 1995. A produção interna de bens de capital (máquinas e equipamentos) explodiu, no vácuo da excepcional performance da construção civil.

Ainda que a retomada dos investimentos seja uma realidade, o Brasil ainda convive com uma grande dependência do capital externo. A taxa de poupança, conforme divulgado ontem pelo IBGE, está em apenas 15,8% do PIB, nível considerado pequeno. O pouco dinheiro guardado faz o país precisar de dinheiro estrangeiro para conseguir fechar suas contas e financiar o consumo interno. O reflexo está no saldo das transações correntes com o exterior, que vai fechar o ano com rombo de mais de US$ 60 bilhões, na estimativa do mercado. A dependência em relação aos aportes vindos de fora do país fica ainda mais perigosa à medida que a instabilidade atual na Europa aumenta. (LP e VC)

Entrevista - Rebeca Palis Estrago da crise já foi superado

Para a gerente de Contas Trimestrais do IBGE, depois da recessão, varejo e atacado agora caminham em sintonia

O avanço da economia brasileira nos três primeiros meses do ano marca a ascensão definitiva da indústria e indica que os empresários voltaram a investir pesado na produção. A gerente de Contas Trimestrais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rebeca Palis, explica que os estragos causados pela crise mundial já foram reparados. Ela ressalta o aumento do volume de crédito ofertado por bancos públicos e privados e diz que varejo e atacado finalmente estão crescendo na mesma sintonia. Leia os principais trechos da entrevista ao Correio. (LP)

A indústria e o investimento foram as estrelas do primeiro trimestre? Sim. Até porque, olhando pela produção, a indústria foi muito afetada pela crise internacional. Essa recuperação chama a atenção, sem dúvida. Mas é preciso relativizar, porque a taxa estava muito comprimida. No primeiro trimestre do ano passado, tivemos recordes negativos. Agora, estamos vendo recordes positivos.

Na soma, a conta está zerada? Ou seja, já houve a reposição daquilo que foi perdido com a crise? Zerou. A indústria e o investimento voltaram ao patamar do terceiro trimestre de 2008, ao estágio pré-crise. Em relação aos números, podemos dizer que a crise ficou para trás.

E o comportamento do consumo das famílias? Nunca houve queda. No primeiro trimestre, a gente viu uma alta também, embora ele tenha desacelerado um pouco.

Como está o crédito? No trimestre, identificamos um aumento do volume de crédito, inclusive entre os bancos privados em relação aos públicos.

A indústria influenciou a alta no comércio? Com certeza. O varejo cresceu e o comércio atacadista, mais ainda. Os dois estão crescendo.