Título: Acordo UE-Mercosul vale a pena
Autor: Pacheco, João
Fonte: Correio Braziliense, 09/06/2010, Opinião, p. 19

Embaixador, é chefe da Delegação da União Europeia no Brasil

A gênese das negociações comerciais entre a União Europeia (UE) e o Mercosul remonta ao acordo-quadro de cooperação de 1995, em que a gradual e recíproca liberalização do comércio constituía já um dos objetivos a prosseguir pelas partes. É num contexto do reforço das relações, assente em fortes laços históricos, culturais e econômicos, e valores comuns, que por ocasião da I Cimeira UE-América Latina e Caribe (Rio de Janeiro, junho de 1999) é formalmente aprovado o lançamento das negociações para a celebração de um Acordo de Associação UE-Mercosul, no qual, a par das vertentes política e de cooperação, é plenamente consagrado o objetivo de um acordo comercial entre as duas regiões.

Congratulo-me, pois, com a retomada formal das negociações UE-Mercosul a 17 de maio último, por ocasião da VI Cimeira UE-América Latina e Caribe, as quais tinham sido suspensas em 2004. Reafirmo a importância do acordo, que pela sua natureza abrangente e ambiciosa deverá liberalizar totalmente a maior parte do comércio entre as partes, embora salvaguardando algumas sensibilidades dos parceiros, essencialmente de natureza agrícola, para a União Europeia, e industrial e de serviços, para o Mercosul. Períodos transitórios serão igualmente previstos.

Mas o acordo cobrirá outros tantos aspectos relevantes para as relações comerciais entre a UE e o Mercosul, tais como serviços, investimentos, contratação pública, disposições sobre propriedade intelectual e desenvolvimento sustentável, concorrência, medidas sanitárias e fitossanitárias, instrumentos de defesa comercial e obstáculos técnicos ao comércio. Existem, todavia, outros interesses objetivos de natureza complementar que contribuem para a avaliação convergente relativamente aos méritos do acordo.

Em primeiro lugar, a dimensão econômica das trocas e do investimento. A UE é o maior parceiro econômico do Mercosul, representando cerca de 21,2% do total do comércio do Mercosul. Refira-se que em 2009 o comércio entre a UE e o Mercosul traduziu quase tanto como quanto a totalidade do comércio da UE com o resto da América Latina. O Mercosul é o 8º maior parceiro da UE, representando 2,7% do total do seu comércio em 2009. Hoje em dia, quer o Brasil, individualmente, quer o Mercosul no seu conjunto, têm um volume de trocas comerciais com a UE que representa quase o dobro das realizadas com os EUA. Mas há ainda muito espaço para crescer.

Os valores referentes ao investimento igualmente são relevantes. A UE é o maior investidor no Mercosul, totalizando um acumulado de 167,2 bilhões de euros em 2008, representando mais do que o total dos investimentos nos demais integrantes do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). E o reforço do investimento do Mercosul na UE é igualmente bem-vindo e desejado.

Em segundo lugar, a crise internacional e a ameaça de tendências protecionistas que se mantêm à espreita. O avanço em direção a um acordo não deverá contudo ser visto como um desincentivo relativamente às negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio, mantendo-se na ordem do dia da UE, e do Mercosul, o compromisso de alcançar nessa sede um acordo tendo em vista o papel crucial do comércio internacional enquanto motor do desenvolvimento e crescimento econômicos.

Naturalmente que a dimensão dos números e potencialidades não deixará de se fazer repercutir favoravelmente na economia dos dois blocos. É assim esperado, tanto para a UE quanto para o Mercosul, um aumento de exportações de cerca de nove bilhões de euros, a maior parte dos quais sobretudo nos setores agrícola e de bens industriais de maior valor agregado.

O crescimento e a dinamização econômicas resultantes do acordo serão ainda reforçados pelo efeito de mútua alavancagem gerada pelo comércio e o investimento, traduzindo-se na criação de mais riqueza e emprego, oferecendo, assim, benefícios tangíveis para ambos os lados do Atlântico.

Não devemos, todavia, subestimar as dificuldades das próximas etapas. As negociações estão repletas de dificuldades, mas acredito no seu sucesso, desde que, a par dos interesses econômicos e comerciais existentes, se mantenha a necessária vontade política. Num mundo globalizado e multipolar, o acordo estreitará ainda mais os laços entre dois blocos que já tanto têm em comum. Essa interligação mais forte tem valor estratégico para ambas as partes, e justifica por si só uma reforçada vontade política que leve à sua conclusão exitosa.