Título: Cresce nos EUA a aposta na migração para gás natural
Autor: LeVine, Steve ; Aston, Adam
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2009, Internacional, p. A14

No começo deste ano, havia chegado a hora de Lloyd Yates, CEO da Progress Energy, decidir como a enorme concessionária de energia da Carolina do Norte cumpriria as rígidas leis antipoluição do Estado. Primeiro ele considerou a solução fácil: instalar depuradores na velha termelétrica em Sutton, a um custo de US$ 330 milhões. Depois, sua atenção se voltou para o gás natural, cujo preço havia despencado, caindo em dois terços em doze meses. Certamente a recessão respondeu por parte da deterioração dos preços. Mas também circularam relatos de gigantescas descobertas de gás natural nos EUA.

Após pesar as suas opções, Yates e seu conselho de administração decidiram-se contra os depuradores e optaram por transformar a termelétrica a carvão em movida a gás natural - um projeto de US$ 900 milhões. Pelos cálculos de Yates, isso satisfaria a lei antipoluição e mais do que se pagaria ao longo do tempo.

"Foi como decidir se colocaríamos um conversor catalítico num Chevy modelo 52 ou se compraríamos um carro novo", diz Yates.

Em meados de 2008, os EUA e o resto do mundo foram tomados por picos de preços do petróleo e do gás natural e por temores de que os altos preços dos combustíveis persistiriam para sempre. Hoje, analistas ainda se preocupam com a oferta de petróleo, mas muito menos com o gás natural. Produtores de gás nos EUA, beneficiando-se de avanços tecnológicos, descobriram um enorme volume de gás no solo argiloso sob o solo de Colorado, Oklahoma, Pensilvânia, Texas e outros Estados. De acordo com um relatório de julho da Colorado School of Mines, os EUA atualmente detêm 1,8 trilhão de pés cúbicos de gás natural, um terço do qual em xisto petrolífero.

Isso não resolverá os problemas de energia do país por si só. Embora o gás natural possa ser usado para aquecer residências e acionar veículos, ele é mais usado, como o carvão, para gerar eletricidade.

Mas as estimativas de fornecimento para o gás natural são tão boas (e o tombo nos preços foi tão agudo) que elas estão obrigando líderes empresariais a repensarem suas estratégias de longo prazo rapidamente. Concessionárias estão discutindo se adaptarão termelétricas a gás. Grandes corporações, como a AT&T e a UPS, estão começando a converter grandes frotas de veículos a gasolina para gás natural. Até os que usam energia renovável estão aderindo: à medida que tentam extrair mais energia do vento imprevisível e dos geradores solares, eles constatam que o gás natural barato ajuda a manter a regularidade da sua produção.

Não está certo que o gás possa cumprir a sua promessa. "Nós não sabemos se seu impacto será realmente impressionante ou apenas teórico", diz David G. Victor, professor e especialista em energia na Universidade da Califórnia em San Diego. Embora os produtores de gás natural digam que estão sentados sobre os maiores volumes já registrados, eles também enfrentam barreiras consideráveis para levar seu produto ao mercado. Os preços estão tão baixos que muitos produtores fecharam os seus poços. A maioria das concessionárias equipadas com unidades movidas a carvão continua pouco entusiasmada em investir em equipamento de gás natural. Críticos dizem que o processo de extração do xisto, que consome grande volume de água, traz riscos para fontes próximas de água potável. E pessimistas lembram o fim da década de 90, outra época em que os preços pareciam permanentemente reduzidos, para logo depois dispararem subitamente. "As concessionárias se queimaram muitas vezes", diz Andre Begosso, analista de energia na consultoria Accenture.

A disponibilização do gás betuminoso nos EUA, porém, pode tornar a onda atual de descobertas diferente das do passado. Uma técnica desenvolvida no fim dos anos 90 pela minúscula Mitchell Energy & Development está impulsionando a ação. Antes da fraturação hidráulica, como a técnica é conhecida, o gás que estava incrustado no xisto sólido não era aproveitável.

Mitchell e outros calcularam como injetar água e produtos químicos na rocha para liberar as moléculas de gás. Outro avanço recente permitiu às perfuradoras se abrirem em leque horizontalmente, recuperando gás de áreas muito mais extensas que no passado. A produção de gás natural dos EUA cresceu 14% entre o começo de 2007 e meados de 2008, em grande parte devido a novos campos, como o campo Barnett, no Texas.

E a expansão do xisto está apenas engatinhando. Em 2004, John H. Pinkerton, da Range Resources, perfurou o primeiro desses poços nos montes Apalaches, o campo Marcellus, um campo de gás de 62 milhões de acres que se estende por cerca de 1.100 quilômetros de norte a sul. Desde então, Pinkerton reforçou o escritório de Pittsburgh, que antes tinha só uma pessoa, e passou a ter 150 geólogos, geofísicos e engenheiros. Pinkerton diz que sua produção triplicou rapidamente, para aproximadamente 90 milhões de pés cúbicos ao dia. "Esperamos duplicar isso no próximo ano, e mais uma vez nos anos seguintes", ele diz.

A Progress Energy, de Yates, tomou a decisão de passar para o gás natural diante de uma exigência estadual de reduzir as emissões de dióxido de enxofre à metade, para 50 mil toneladas por ano, até 2013. Para cumprir o prazo, a concessionária precisou agir neste ano. Depois de ponderar as opções, optou pelo gás natural, na verdade apostando que os preços ficariam baixos por um bom tempo. A produção na usina aumentará consideravelmente, com uma unidade de gás natural de 950 MW substituindo 397 MW de capacidade a carvão. E ela fará isso atendendo também a exigência do dióxido de enxofre: as emissões de dióxido de carbono cairão em 60%, e as de óxido de nitrogênio em 95%; e eliminará as emissões de mercúrio.

Se Washington estabelecer um teto para as emissões de carbono, Yates provavelmente terá de decidir como modernizar outras três usinas termelétricas das décadas de 50 e 60 da Progress Energy. Yates diz que o gás natural terá grande destaque nos cálculos, "embora nem estejamos considerando o carvão, devido ao seu custo".

Algumas outras concessionárias estão fazendo a migração para gás ou considerando fazê-la. A Tampa Electric transformou a sua usina elétrica Gannon numa unidade a gás natural, a um custo de US$ 750 milhões. Em abril, projetistas da Highwood, de Montana, abandonaram o carvão e optaram pelo gás natural para uma nova usina. A General Electric, de Oregon, está propondo duas novas usinas a gás natural.

A maioria das concessionárias, porém, continua indecisa. Os preços do gás natural têm estado tão voláteis ao longo dos anos que os executivos não estão dispostos a assumir compromissos de longo prazo. E isso porque, se eles assegurarem um fornecimento garantido a preços superiores aos praticados hoje e os preços não subirem àquele nível, eles poderão ser obrigados a elevar as tarifas que cobram dos consumidores. Isso não seria um arranjo fácil para as agências reguladoras, que "não estão muito entusiasmadas com recuperação de gastos por apostas na direção errada em contratos de fornecimento", diz James Owen, porta-voz da Edison Electric Institute, uma entidade de lobby do setor.

Por estranho que pareça, o gás natural está encontrando maior receptividade entre as concessionárias que adotam energia renovável. O temor de que o gás natural barato possa subtrair investimentos da energia solar e eólica se mostraram exagerados; em vez disso, as concessionárias estão construindo ambas. Considerando que as turbinas a gás podem variar a sua produção com precisão, elas complementam estações eólicas e campos solares que geram fluxos irregularesde energia . O resultado é um fornecimento de energia mais confiável e estável.

A Florida Power & Light, maior produtora de energia renovável dos EUA, está construindo uma usina térmica solar que será a segunda maior do país. A empresa situou a sua nova planta perto de uma usina a gás, de forma que, quando uma nuvem passar pelo sol, a planta a gás possa manter a uniformidade do fluxo de energia.

A Public Service Enterprise Group (PSEG), uma concessionária de grande porte da região do Meio-Atlântico, está desenvolvendo projetos de gás e de energia renovável simultaneamente. "A facilidade de recorrer a turbinas de combustão a gás as transforma em complementos perfeitos" às plantas eólicas e as solares, diz o executivo-chefe da PSEG, Ralph Izzo.

Os CEOs das companhias de gás natural invadiram Washington nos últimos meses para persuadir os congressistas a criar incentivos para o uso do gás. Através do estímulo à demanda de longo prazo, eles esperam fortalecer a sua posição frente aos interesses dos poderosos setores de carvão e de petróleo.

Quer tenham ou não sucesso, a transição do carvão na direção do gás natural provavelmente continuará, pelo menos por enquanto, à medida que o preço e a dinâmica das políticas públicas apontam a seu favor. Diz Izzo, da PSEG: "Estamos construindo turbinas a gás porque não há nenhuma outra opção no curto prazo".

(Copyright© 2009 The McGraw-Hill Companies Inc.)

(Tradução de Robert Bánvölgyi)