Título: Eleições e mercados na AL
Autor: Santiso, Javier
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2009, Opiniao, p. A19

Na América Latina, as grandes crises bancárias e financeiras das últimas décadas coincidiram com eleições presidenciais

A América Latina volta a viver um ciclo político de alta intensidade. Entre outubro de 2009 e dezembro de 2012, ocorrerão nada menos do que 17 eleições presidenciais. A rodada eleitoral começa no Uruguai e Chile, respectivamente, em outubro e dezembro de 2009, e termina no México e Venezuela, entre agosto e dezembro de 2012. Historicamente, os mercados financeiros se mostram extremamente nervosos diante dos marcos eleitorais na região. Mais de uma vez, desmoronaram nesses períodos. Será que a história voltará a se repetir?

Na América Latina, praticamente todas as grandes crises bancárias e financeiras das últimas décadas coincidiram com eleições presidenciais. A crise argentina de 2001 e as turbulências no Brasil, no ano seguinte, coincidiram com processos eleitorais. No Brasil, em 2002, a perspectiva de uma vitória da esquerda, encabeçada por Lula, provocou uma desvalorização maciça do Real, enquanto os spreads, indicadores do risco soberano brasileiro, passaram dos 2.000 pontos-base. Até então, apenas 11 países emergentes haviam passado por tal deterioração e quase todos acabaram descumprindo o pagamento de suas dívidas. O Brasil salvou-se "in extremis" e a história posterior mostraria como os mercados estavam errados no caso brasileiro.

O México foi um caso paradigmático: a crise da dívida de 1982 e o "tequilazo" de 1994 foram choques com enormes impactos em todos os mercados da região; ambos coincidiram com períodos eleitorais no país. Praticamente todas as eleições presidenciais no México de 1976 a 2006 coincidiram com turbulências financeiras.

A história recente do México também mostra que essa sincronia entre o ciclo político e o ciclo financeiro pode mudar. No ano 2000, pela primeira vez em mais de 70 anos, o país passou por uma transição para um governo que não era dominado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI). Também no mesmo ano, o México conseguiu que as eleições não provocassem turbulências financeiras como no passado recente. Seis anos depois, em 2006, o México voltou a repetir esse descolamento entre o ciclo político e o financeiro.

Mais além do México, o ano de 2006 mostrou não haver maldições eleitorais. Apesar de ter sido um ano eleitoral bastante denso, nenhum país da região sofreu crise financeira. Como assinalamos em um estudo baseado em mais de 5 mil observações e 700 informes procedentes de 13 bancos de investimento, embora as recomendações dos analistas entre 1997 e 2008 tenham se inclinado para o lado negativo quando se aproximavam eleições, em 2006 deixaram de ser sistematicamente negativas*. Em particular, tanto no caso do Brasil, como no do Chile e Colômbia, os analistas deixaram de antecipar riscos de ruptura na credibilidade das políticas econômicas. As taxas de câmbio e os indicadores de risco não se deterioraram de forma maciça, como em ocasiões anteriores.

As antecipações e os temores dos mercados ficaram em evidência em várias ocasiões. Embora tenham existido razões no passado para explicar a preocupação dos analistas - os anos eleitorais costumavam provocar estragos fiscais, com o disparo dos gastos**, as temidas políticas populistas nem sempre se materializaram, em particular, nesta década. Se até pouco tempo atrás a experiência latino-americana contrastava com a dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde o saldo primário e os gastos correntes aumentavam pouco em anos eleitorais, a América Latina demonstrou recentemente uma melhora substancial durante o período eleitoral 2005/2006, com maior disciplina fiscal em quase todos os países da região.

A trajetória do Chile, por exemplo, corrobora que o descolamento entre o ciclo eleitoral e o financeiro pode ser duradouro. Desde a volta da democracia ao Chile no fim dos anos 80, nenhuma crise financeira afetou as eleições presidenciais. Além disso, a trajetória fiscal chilena mostra uma disciplina e capacidade anticíclica que poucos países da OCDE puderam exibir no passado recente. Com toda a probabilidade, as eleições que se aproximam não deverão vir acompanhadas de maior preocupação por parte dos analistas nem de alterações no câmbio ou no risco soberano chileno.

De fato, é possível que a fronteira entre países emergentes e desenvolvidos seja precisamente esse descolamento, do ponto de vista dos mercados financeiros: em uma democracia com economia desenvolvida, as eleições são eventos banais, apenas uma oportunidade para que os mercados subam ou desçam ligeiramente sem, de forma alguma, provocar as turbulências e preocupações que costumam caracterizar as democracias de países emergentes. Desse ponto de vista, é possível dizer que o Chile, cada vez menos, é um mercado emergente (se é que já não o deixou de ser).

Também é possível que estejamos presenciando uma grande mudança na América Latina, com países como o Chile e, cada vez mais, Brasil, Uruguai e alguns outros apresentando ciclos políticos e financeiros cada vez mais descolados entre si. Em todos esses países, seja qual for a força política que ganhe as próximas eleições, seja de esquerda ou de direita, os mercados não deverão alterar-se. O Uruguai e o Brasil não deverão ter sustos nas bolsas. Ambos já superaram a prova de fogo de ter governos de esquerda, fenômeno que os mercados costumam temer, porque esses governantes supostamente levam adiante uma política mais relaxada do ponto de vista fiscal. Depois das eleições, os dois poderes executivos esforçaram-se em apresentar políticas econômicas eminentemente pragmáticas e responsáveis.

Na América Latina, parece não haver maldição latina. O passado recente corrobora que o ciclo político conseguiu descolar-se do financeiro em vários países da região. Não há motivos para as eleições provocarem enfartes financeiros. Desde que o país esteja saudável, economicamente falando.

Javier Santiso é diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE. *Sebastián Nieto Parra y Javier Santiso, "Wall Street and elections in Latin America", Centro de Desenvolvimento da OCDE. **Sebastián Nieto Parra e Javier Santiso, "Revisiting political budget cycles in Latin America", Centro de Desenvolvimento da OCDE-