Título: Cade prevê onda de fusões e quer preservar competição
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2009, Empresas, p. B8

Uma onda de fusões e aquisições está a caminho no mercado de cimento. Ela deverá envolver as principais companhias do setor, como Lafarge, Cimpor, Holcim, Votorantim, Itambé e o grupo João Santos, e será um desafio para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça, que tem a função de preservar a competição no setor e já recebeu informações preliminares a respeito desse movimento.

Ontem, o Cade deu uma forte sinalização de que pretende apoiar a entrada de novos competidores no mercado nacional de cimento como forma de aumentar a concorrência nesse setor, que deve passar por um processo natural de concentração nos próximos meses. O órgão antitruste aprovou a renovação de um contrato entre a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) e a Votorantim Cimentos. Pelo contrato, a CSN fornece escória (matéria-prima para se fazer cimento) à Votorantim e esta última envia clínquer (cimento num estágio básico na cadeia produtiva do setor) para a CSN. Era um contrato de curto prazo e foi renovado. Os valores e o prazo de renovação estão sob sigilo.

Antes do julgamento no Cade, a CSN informou a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda que pretende descontinuar o volume de vendas de escória produzidas em seu alto-forno para que essa matéria-prima seja utilizada como consumo interno da companhia. A CSN também garantiu à Seae que pretende fazer fábricas de clínquer.

Com essas informações, a companhia procurou ressaltar aos órgãos de defesa da concorrência que pretende ingressar como competidora efetiva no mercado de cimento. Os dados sobre os investimentos da CSN no setor de cimento foram passados inicialmente à Seae, que faz os pareceres sobre as fusões e aquisições para que, depois, o Cade possa julgar esses negócios. Essas notícias de um novo competidor no setor foram bem recebidas pelo órgão antitruste.

"A planta de fabricação de cimento da CSN Cimentos, que marca a entrada do Grupo CSN no mercado de cimento, está em vias de entrar em operação e o acesso imediato ao clínquer possibilitaria seu ingresso no mercado", afirmou Carlos Ragazzo, relator do processo que envolveu a CSN e a Votorantim. "Segundo a Seae, também se encontram em implantação fábricas próprias de clínquer por parte da CSN", continuou Ragazzo.

A empresa já está com uma unidade na fase instalação no município de Arcos (MG), onde tem uma jazida de calcário. A fábrica de clínquer tem investimento de mais R$ 180 milhões para fazer 830 mil toneladas/ano. O plano da empresa, que entrou no setor este ano com cimenteira em Volta Redonda (RJ), é fazer a partir de 2011 mais de 2 milhões de toneladas do produto.

O conselheiro enfatizou que o fornecimento de clínquer à CSN representa apenas cerca de 10% da produção desse insumo pela Votorantim na região Sudeste. Segundo ele, a CSN ainda não oferta clínquer ao mercado, mas deve fazê-lo em breve.

Ao final do julgamento, o contrato de fornecimento de matérias-primas para cimento entre a CSN e a Votorantim foi aprovado por unanimidade pelos conselheiros. "No fundo, essa operação acabou sendo pró-competitiva", afirmou a advogada Gianni Nunes de Araújo, que defendeu a Votorantim.

O órgão antitruste não revelou os valores do contrato nem os prazos para a sua renovação, pois as empresas pediram confidencialidade dessas informações.

As futuras fusões no setor de cimento devem ser julgadas com extrema cautela pelos conselheiros. Nesses casos, eles deverão analisar o local onde estão localizadas as fábricas de cada uma das empresas e para quais cidades elas fazem as suas vendas. O objetivo é preservar a competição local e impedir aumentos nos preços de insumos à construção civil.

Em meados dos anos 90, o Brasil viveu uma onda de aquisições na indústria cimenteira, o que levou a produção a se concentrar em dez grupos. O movimento levou à saída de muitas famílias do setor, permitindo a entrada, por exemplo, da portuguesa Cimpor. Outros se fortaleceram, como a Votorantim, que era líder (e se manteve), com dois quartos da produção e venda doméstica. É o caso também da suíça Holcim e da francesa Lafarge, dois gigantes mundiais da indústria de materiais de construção.

O mercado brasileiro, que amargou forte retração 2000 a 2005, tornou-se atrativo. Nos últimos três anos, cresceu quase 40%, para mais de 50 milhões de toneladas, puxado pelo boom imobiliário, obras de infraestrutura e pelo aumento da renda no país.

O grupo Camargo Corrêa pôs esse setor entre os quatro que elegeu como foco de investimento. Com 9% do mercado, é forte candidato a fazer aquisições. O grupo João Santos, que atua fortemente no Nordeste e Norte, pode ser alvo de compra, uma vez que o fundador faleceu no ano passado e a continuidade do negócio é visto como uma incógnita. (Colaborou Ivo Ribeiro, de São Paulo)