Título: Setor espera definição de regras até o fim do ano
Autor: Guimarães, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2009, Especial, p. F2

O setor de saneamento básico parece viver uma situação contraditória nos últimos anos no país. De acordo com dados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, existem recursos disponíveis para novas obras na área, mas o volume de investimentos contratados ainda evolui a passos lentos, afirmam especialistas do segmento.

Levantamento do governo mostra que já foram selecionados dentro do PAC projetos no valor de R$ 37,4 bilhões até agosto, sendo que, deste montante, cerca de R$ 10,3 bilhões se referem a investimentos em processo de contratação - 27,5 % do total. Na área de habitação, por exemplo, apenas como forma de comparação, quase todos os investimentos selecionados (R$ 14,4 bilhões) já foram contratados, segundo números oficiais.

"Não faltam recursos. Faltam regras mais claras para o setor. Há um esforço dos órgãos públicos nesse sentido, com a busca pela regulamentação da Lei do Saneamento. Mas ainda é preciso avançar mais rapidamente em relação a isso", diz Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, e um dos maiores especialistas em água e esgoto no país. Outros representantes da área concordam com esse ponto. "Não é uma questão econômica, de falta de recursos. O que precisamos é de um marco regulatório", diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abidb).

Na avaliação do Ministério das Cidades, existe a necessidade da regulamentação da lei, mas já houve uma evolução nesse sentido. Assim como tem sido ampliado o volume de desembolsos para a área nos últimos anos, com o início do PAC. Em 2007, foi promulgada a lei do setor que prevê um conjunto de regras mais estáveis na prestação de serviços de saneamento básico, que devem facilitar a atração de investimentos, tanto públicos quanto privados para o setor. No entanto, ela não foi sancionada ainda. "Temos todo o interesse em finalizar esse processo, com a assinatura do decreto de regulamentação ainda neste ano. Acreditamos que até o mês de dezembro, ele já esteja assinado", afirma o secretário nacional de saneamento ambiental, Leodegar Tiscoski, do Ministério das Cidades.

A questão, explica ele, é que falta a análise final de outros ministérios, como Saúde e Planejamento, além da Secretaria da Casa Civil. "Foram 20 anos só de discussão da nova lei, e a sua definição já foi um avanço. Com a regulamentação, teremos o casamento perfeito das regras definidas com os recursos para investimentos", afirma Leodegar Tiscoski. Em valores atualizados, o governo calcula que seriam necessários de R$ 250 bilhões para a universalização do sistema de saneamento. Ou seja, para fazer com que cada residência na área urbana tenha água tratada e coleta de esgoto.

O secretário informa também que 17% do volume total de investimentos já contratados têm sido desembolsados pelo governo atualmente. "Há sete ou oito meses, o volume de desembolsos era de 5% a 6%", diz. Apesar das incertezas criadas com o fato de a sanção presidencial ainda não ter ocorrido, há um fator positivo que explica esse crescimento. Isso ocorre, segundo o secretário, em parte porque os projetos apresentados pelas companhias do setor mostram uma melhora na qualidade técnica. "Atualmente, as empresas já tem uma perspectiva real de um planejamento na área, por isso passam a criar projetos tecnicamente superiores aos verificados no passado."

Segundo a base de dados do ministério, existem 1,8 mil obras cadastradas na área na Secretaria Nacional de Saneamento, e a expectativa é que 86% delas estejam concluídas até o final de 2010. Dados do 8º Balanço do PAC, publicado há menos de dois meses, mostrava que, em dezembro de 2008, 83% dos projetos contratados em cidades acima de 150 mil habitantes estavam em obras. Em abril, a taxa atingiu 85%, e em agosto, 88%.

Para esse grupo específico de cidades, normalmente capitais e municípios com alta concentração populacional, existem 491 projetos em andamento. O levantamento mostra que, na região Norte -- em cidades com mais de 150 mil habitantes -- 78% dos projetos contratados já existem canteiros de obras. No Sudeste, essa taxa estava em 87%, mas no Sul e Nordeste, os índices eram recordes - 95% e 91%, respectivamente.

De acordo com informações do relatório do PAC sobre o setor, essas taxas são maiores nas cidades acima de 150 mil habitantes, em comparação àquelas com população entre 50 mil e 150 mil. No Norte apenas 35% dos investimentos contratados nessas cidades menores estavam em obras - no Nordeste, o índice estava em 51%. Na avaliação da Anbid, isso acontece porque, nessas regiões, as companhias da área de saneamento têm menos condições e estrutura para apresentar bons projetos ou disputar pela sua fatia no bolo de investimentos. "O correto seria fazer o que se chama de ´subsídio cruzado´. Ou seja, conceder para grandes empresas as regiões que são o ´crème de la creme´ e, ao mesmo tempo, colocar na mesma cesta outros municípios menores, com menor escala, onde as companhias possuem menos interesse de investir", diz Paulo Godoy, da Abdib.

O Ministério das Cidades explica que não é uma questão de concessão. "A população urbana cresceu muito nos últimos anos e, com isso, essas regiões das grandes cidades necessitam mesmo de mais recursos e obras", afirma Tiscoski.

Há um entendimento no governo de que é necessário ampliar a capilaridade do sistema de saneamento no Brasil. "Na área do esgoto no Brasil temos um déficit considerável. Atualmente, 50% do esgoto é coletado e um terço do que é gerado é tratado. Isso quer dizer que 70% do esgoto vai para a natureza sem tratamento", diz Tiscoski. "Ainda há muito o que fazer, sabemos que o processo de mudança não é tão rápido, mas está claro que o assunto é prioridade", afirma o secretário. De acordo com Paulo Canedo, da Coppe/UFRJ, das 58,5 milhões de moradias brasileiras, 27,5 milhões não possuem rede de esgoto e 15,5 milhões, não possuem rede nem mesmo fossa, informa ele, com base em dados do IBGE. Além disso, 9,3 milhões de moradias não tem água corrente em casa. Dos mais de R$ 30 bilhões em investimento selecionados na área de saneamento no PAC, 40% contemplam a área de esgotos. Uma taxa próxima dessa, cerca de 42%, atendem demandas na área de águas, segundo o Ministério das Cidades.