Título: Crédito esbarra em gestão deficiente
Autor: Velloso, Thiago
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2009, Especial, p. F5

A realização da meta de universalização dos serviços de saneamento passa, necessariamente, pelo aumento do volume de recursos disponíveis para o setor, que sempre conviveu com a intermitência do crédito. Desde 2007, entretanto, a situação mudou radicalmente. Com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007 e ampliação do limite de endividamento dos Estados e municípios para R$ 12 bilhões até 2010, o crédito parece ter voltado a fluir. Porém, o desafio agora é o de utilizar ao máximo os recursos disponíveis.

Atualmente, segundo estimativas dos agentes financeiros, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - principais braços de financiamento do governo federal - têm capacidade de emprestar cerca de R$ 10 bilhões ao ano, um volume adequado para levar à universalização do saneamento em um prazo de 15 a 20 anos.

Em 2009, apenas a Caixa Econômica Federal tem R$ 5 bilhões disponíveis por meio de sua linha de crédito operada com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e mais R$ 3 bilhões para aplicar em papéis ou outros mecanismos estruturados de empresas. Desse total, cerca de R$ 4 bilhões estão contratados, uma vez que o modelo de investimento direto em dívidas de companhias ainda está em estudo. O BNDES, por sua vez, já desembolsou R$ 1,05 bilhão nos últimos 12 meses, encerrados em setembro, e possui cerca de R$ 8 bilhões em estoque, podendo ampliar os recursos novos de acordo com a demanda.

O crescimento da capacidade de empréstimo das entidades públicas, no entanto, não tem se revertido em investimento para diversas empresas do setor que não estão preparadas para receber empréstimos. "O crédito para o setor sempre foi instável, o que levou a uma desorganização de algumas empresas. Por isso, quando o governo aumentou o volume de dinheiro de forma significativa, muitas companhias foram pegas de surpresas, sem ter projetos para apresentar", afirma o presidente da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) e da Associação Brasileira das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Abes), Stênio Jacob.

Segundo ele, as empresas já se adaptaram à nova situação, mas carecem de recursos para desenvolver propostas mais adequadas. "Elaborar um projeto requer dinheiro e muitas companhias sequer possuem recursos para isso. Por isso, pedimos que o governo crie linhas, a fundo perdido, específicas para esse objetivo", afirma Jacob. Para o executivo, diante dos problemas financeiros enfrentados por grande parte das companhias estaduais, ainda é impossível pensar na tomada de crédito nas instituições financeiras privadas. "O custo do dinheiro é muito alto e o setor possui restrições tarifárias que impedem o repasse de custo dessas transações. Por isso, é fundamental que o governo participe ativamente", diz.

Para o chefe do Departamento de Saneamento Ambiental do BNDES, Luís Inácio Dantas, as instituições públicas estão engajadas em aplicar o máximo de recursos possíveis no setor, mas os desafios de gestão das empresas públicas são, muitas vezes, fatores de impedimento. "O banco se relaciona com 12 empresas estaduais, pois o restante não pode sequer operar diretamente conosco. A maioria das companhias se encontra em uma situação difícil, sem capacidade de pagamento e com falta total de governança", explica, ressaltando ainda que, em muitos casos, as empresas estão inseridas em "agendas políticas não triviais".

De acordo com Dantas, o desembolso maior de recursos, e, portanto, a maior conclusão de projetos, depende de um esforço de melhoria na gestão das empresas públicas que, para o BNDES, pode ser alcançado com a busca de parceiros no setor privado. "Está na hora de trazer a parceria privada para o nível societário, ou seja, privatizar parte das empresas. Temos tratado dessa questão sempre que há oportunidade e achamos que esta é uma boa solução para a ampliação dos financiamentos", diz.

O interesse do setor privado na área de saneamento é confirmado pelos números do banco, segundo Dantas. Do total desembolsado em 2009, 43% foram destinados para empreendimentos privados. "Temos tido resultados muito interessantes com esses parceiros. Mas é preciso que os governos estaduais se mobilizem para resolver a situação de suas empresas de saneamento", afirma.

Na Caixa, maior agente financiador do segmento, a dificuldade de realizar empréstimos diretamente tem levado a equipe do banco a pensar soluções inovadoras que permitam ampliar a dinâmica do crédito para o setor. Até o fim do ano, o banco deve concluir o modelo de investimento dos recursos do FGTS em operações do mercado. "Estudamos a possibilidade de emitir CCBs, a partir da nossa carteira de crédito, que seriam comprados por fundos do banco, o que daria maior velocidade e retorno para o FGTS", afirma Rogério Tavares, superintendente de saneamento da Caixa.

Para Tavares, essa e outras iniciativas estão sendo tomadas para garantir, no longo prazo, o fluxo contínuo do crédito. "O mais importante é impedir a volta da intermitência de crédito para as companhias do setor. Tenho conversado com os gestores das empresas e falado muito sobre a importância de se iniciar a discussão sobre novos limites de endividamento a partir de 2010, quando se encerra o PAC. Isso é fundamental", destaca. O presidente da Aesbe, Stênio Jacob, concorda e expressa preocupação com o futuro do setor. "O que temos é uma grande incógnita depois do PAC, quando podemos perder, mais uma vez, o financiamento do setor público", diz.