Título: Vantagens e limites do IOF no capital externo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2009, Opinião, p. A12
Os mercados de câmbio e de ações vivem período de excesso de euforia e eram necessárias medidas para evitar bolhas, como as que arrastaram a economia mundial para a atual crise financeira. Desse ponto de vista, mostra-se acertada a decisão do governo de taxar com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) os ingressos de capitais estrangeiros no país dirigidos a investimento em títulos públicos e na bolsa.
Restam, porém, algumas dúvidas importantes sobre a eficácia das medidas e as intenções do governo em adotá-las. Controles de capitais, em geral, funcionam apenas no curto prazo, até que os investidores encontrem outros caminhos para movimentar as suas aplicações. Intervenções regulatórias sempre produzem distorções e, no presente caso, o mercado de capitais doméstico e as empresas de menor porte parecem ser as maiores prejudicadas.
A Bovespa registra valorização de 74% neste ano, puxada sobretudo pelo forte ingresso de investimentos estrangeiros em ações negociadas dentro do país, que somam US$ 25,795 bilhões neste ano, até sexta-feira. O câmbio está sobrevalorizado, depois de uma apreciação de 26% em 2009, que fez o dólar atingir R$ 2,70.
Pelo que tudo indica, os preços dos ativos não atingiram seu pico. Eventos como a descoberta do pré-sal e a escolha do país para sediar os Jogos Olímpicos criaram um clima de euforia nos mercados. Além desse fator natural de atração de capitais externos, os investidores correram para as ações brasileiras que, em dólar, mostram uma valorização invejável, de 140%. Era preciso agir para evitar problemas mais adiante. Nesta crise, formou-se o consenso de que os governos devem zelar não apenas para garantir a estabilidade monetária, mas também para assegurar um ambiente financeiro seguro.
Os investimentos estrangeiros vinham respondendo por cerca de três quartos da demanda nas ofertas primárias de ações. Os recursos dirigidos a aplicações em carteira tornaram-se o fluxo mais importantes da conta financeira e de capitais do balanço de pagamentos, acima dos investimentos diretos. Para evitar desequilíbrios financeiros, portanto, era fundamental evitar movimentos excessivos nesse item da conta financeira.
Entre todas as opções de controle de capitais, a taxação na entrada dos recursos é a que menos causa distorções. Mas isso não quer dizer que a solução esteja isenta de problemas. Nesse exato momento instituições financeiras, grandes empresas e investidores procuram meios para driblar o tributo. O caminho mais conhecido é captar recursos com a venda de American Depositary Receipts (ADRs) no mercado de Nova York e, em seguida, ingressar com os recursos no país sob a forma de investimentos diretos, que são isentos da cobrança de IOF.
Artifícios como esse representam custos de transação e perda para a economia. É provável que sejam usados apenas pelas grandes empresas. A BM&FBovespa tende a perder parte de sua liquidez, e os maiores prejudicados serão as empresas menores, que têm menos acesso ao mercado internacional de capitais. A taxação de investimentos estrangeiros em títulos causa prejuízos ao Tesouro Nacional, que já passou a pagar mais caro para rolar a sua dívida.
O IOF se torna um pouco mais controverso quando se observa que esse tributo, segundo os cálculos do governo, vai gerar uma arrecadação extra de R$ 4 bilhões por ano. O natural seria o governo devolver esses recursos à sociedade, por meio do corte de outros tributos. Mas o dinheiro será destinado a fechar as contas fiscais, tarefa cada vez mais difícil depois da forte e temerária expansão de gastos correntes promovida nos últimos anos.
A imposição de IOF também tem implicações macroeconômicas importantes. Em última instância, o que se procura é uma taxa de câmbio mais desvalorizada, o que, em contrapartida, representa aumento da absorção externa, em detrimento da demanda doméstica. Alguém terá que arcar com o ajuste: consumo, investimento ou gastos do governo. O remédio mais adequado é conter os gastos públicos. Mas essa é a alternativa menos provável. Quem deverá pagar parte da conta do ajuste é o setor privado.