Título: Armas a postos, de novo
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2010, Política, p. 11

CONGRESSO Apesar da tentativa do governo de retirar a polêmica distribuição de royalties do projeto de pré-sal, tema volta à cena e complica votação no Senado

O governo bem que tentou agilizar a votação dos projetos do pré-sal no Senado, retirando do projeto a polêmica questão da distribuição de royalties. Mas de nada adiantou. O tema transformou a discussão do texto ontem no plenário entre um duelo verbal entre estados produtores e não produtores. Com o calendário apertado devido às eleições, o governo pretendia aprovar a capitalização da Petrobras, o regime de partilha para exploração e a criação do fundo social do pré-sal. A questão dos royalties ficaria para depois das eleições. Uma emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS), inserindo a discussão na proposta, contudo, transformou a aprovação do marco regulatório em uma batalha para o governo.

Seguindo a mesma estratégia adotada na Câmara, o governo antecipou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetaria a aprovação de uma emenda que redistribuísse os royalties. Apelou ainda para a tese de que o clima eleitoral estaria contaminando a discussão. Assim como na Câmara, os argumentos não surtiram efeito. Os parlamentares dos estados não produtores mantiveram a pressão pela votação do tema. Se aprovada a redistribuição dos royalties, municípios e estados produtores teriam perdas bilionárias. Somente o Rio de Janeiro perderia cerca de R$ 7 bilhões.

Diferentemente das regras aprovadas na Câmara para redistribuição desses recursos, a emenda de Pedro Simon transfere para a União a responsabilidade por ressarcir os estados produtores. A emenda Ibsen (aprovada na Câmara) retirava recursos do Rio de Janeiro e os transferia para os outros estados. ¿Agora, em vez de tirar do Rio, nós vamos tirar da União e dividir com todos¿, justificou o senador gaúcho.

Com a marcha contrária, senadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, os maiores produtores de petróleo do país, tentaram o adiamento da proposta. ¿Se for para discutir royalties neste ambiente, melhor termos um prazo para fechar uma proposta que não nos imponha uma derrota¿, afirmou o senador Renato Casagrande (PSB-ES). Atuando como bombeiro, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, desembarcou no Senado para tentar unir a base governista em torno da aprovação dos projetos sem a redistribuição dos royalties. Até o fechamento desta edição, as propostas do marco regulatório do pré-sal ainda não haviam sido votadas.

Se for para discutir royalties neste ambiente, melhor termos um prazo para fechar uma proposta que não nos imponha uma derrota¿

Renato Casagrande, senador

Ouro negro

Projeto discutido pelo Senado prevê novas regras para a exploração de petróleo, devido à descoberta de combustível na camada pré-sal. Saiba quais são os pontos principais:

» Partilha: O texto estabelece o novo modelo para exploração do petróleo, em substituição à concessão, hoje em vigor. A Petrobras terá participação garantida de pelo menos 30% de cada campo a ser explorado e a União negociará no mercado a sua cota de barris de petróleo. Na concessão, a empresa concessionária paga um valor pré-determinado à União e fica responsável por todos os processos de exploração do campo.

» Capitalização da Petrobras: o projeto prevê o repasse à estatal de cerca de 5 milhões de barris das reservas da União no pré-sal. A Petrobras pagará pelo petróleo preço de mercado e, para isso, poderá emitir títulos públicos, que serão utilizados pela própria União para aumentar a sua participação acionária na empresa.

» Fundo Social: o texto cria um fundo vinculado à Presidência da República para onde deve ser destinado os recursos da União provenientes da exploração do pré-sal. O dinheiro será utilizado em projetos de educação, cultura, saúde pública, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência e no combate à pobreza.

Pré-sal vai recuperar dignidade, diz Lula O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou ontem que a riqueza trazida pelo petróleo vai recuperar a dignidade do povo brasileiro e contribuir para melhorar a área social do país. Durante discurso em solenidade em Natal, Lula também disse que se dependesse da Petrobras não seriam feitas novas refinarias no país, já que as existentes atendiam à demanda.

¿As novas refinarias são a decisão de governo. A do Maranhão e do Ceará é para produzir para exportação. O Brasil, com a descoberta do pré-sal não pode exportar óleo cru para a China, tem que exportar produto derivado de petróleo com valor agregado¿, analisou. ¿Vamos fazer do petróleo a recuperação da dignidade do povo brasileiro, recuperar o atraso educacional a que o povo foi submetido.¿

Lula voltou a fazer críticas à imprensa e avaliar que ¿não há notícia negativa que faça o povo acreditar¿. ¿A imprensa fala muito mal de mim. Agora a imprensa está falando tão bem que eu não leio¿, ironizou o presidente, enquanto fazia balanço de como o Brasil atravessou a crise econômica em 2009. Ele observou que a estatística no fim do ano passado apontou um aumento do consumo das classes D e E do Nordeste enquanto há uma redução do consumo das classes A e B do Sudeste. ¿Quem era mais pobre foi às compras. Aliás, o povo pobre foi ao shopping, olha que chique.¿

Oposição O presidente também aproveitou o momento do elogio ao momento econômico do país para criticar o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: ¿Pergunte qual foi a grande obra que o governo deles (da oposição) fizeram. Não é que eles não queriam fazer, é que o país acordava e deitava pensando na dívida externa. Eu estou corcunda de carregar faixa `fora FMI¿. Hoje o Brasil sem precisar dar grito, tem R$ 250 bilhões de reserva¿, frisou o presidente. Ele ressaltou que no ano passado foram criados mais 905 mil empregos e que fechará os dois mandatos contabilizando 14,5 milhões de empregos gerados no país. ¿A construção civil brasileira estava predestinada a não crescer, não havia contratação de obra por parte do governo¿, criticou.

Lula lembrou-se do empréstimo de US$ 14 milhões feito ao FMI e dos US$ 250 milhões à Grécia. ¿Somos pobres, mas somos orgulhosos. Se quiser ser respeitado, tem que respeitar os outros. Quero que respeitem o Brasil.¿

Lobby dos prefeitos

O incêndio provocado pela discussão dos royalties fez o governo federal temer, durante o início da noite de ontem, a votação dos projetos do pré-sal. Reunidos com o ministro da Relações Institucionais, Alexandre Padilha, os líderes do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), e do PT, Aloizio Mercadante (PT-SP), avaliaram a hipótese de adiar a análise das propostas, em busca de um consenso. Pela avaliação dos políticos, caso fosse votada, a redistribuição dos royalties teria grandes chances de ser aprovada.

O debate acirrado em torno da redistribuição dos royalties incluiu discursos de mais de 60 senadores na tribuna de honra do Senado. De olho nos recursos do petróleo, até o lobby municipalista desembarcou no Congresso. Capitaneado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os prefeitos vieram pressionar para que os senadores seguissem a Câmara e aprovassem um novo modelo, que distribuísse de forma igual, entre municípios e estados, a verba obtida com a exploração do petróleo.

Prevendo o debate, o governo federal trabalhou durante a semana para empurrar a questão até o segundo semestre. Romero Jucá chegou a riscar no calendário a data de 9 de novembro para votação da proposta dos royalties. Em vão. ¿Não existe palavra em uma matéria como essa. Ou ela vira lei, ou não vira¿, justificou o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. De olho nos recursos que podem abastecer os cofres das prefeituras pelo país, a entidade patrocinou a apresentação de uma tentativa de consenso para a questão dos royalties que provocava menores prejuízos aos estados produtores. A ideia não encontrou consenso.

De olho nos interesses municipalistas, senadores de estados não produtores embarcaram na defesa da redistribuição dos royalties, rejeitando acordo firmado com o governo, de que a questão seria discutida depois das eleições. ¿Esta é a oportunidade que temos de fazer justiça federativa. Cada um aqui tem de defender o seu pedaço. O petróleo da União e dos estados não produtores não pode ficar de fora dos benefícios do pré-sal. Se tem uma emenda que resolve o assunto agora, vamos então aprová-la¿, resumiu Heráclito Fortes (DEM-PI). (II)