Título: Brasil continua sem opções de acordos de comércio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2009, Opinião, p. A12

A Rodada Doha de liberalização do comércio foi interrompida em 2008, após quase oito anos de discussões e impasses de difícil resolução. Já se esperava uma trégua relativamente longa até que ela fosse novamente impulsionada, mas veio a crise financeira global e os governos foram envoltos por urgentes problemas de curto prazo. Os comunicados do G-20, que reúne as maiores economias desenvolvidas e emergentes, para que se desse novamente chance a Doha foram entendidos como apelos para conter, a distância, a ameaça protecionista, e não muito mais que isso. Agora, em um sinal de que a incipiente recuperação econômica abriu espaço para a retomada das negociações, há reuniões entre os maiores países exportadores e um novo encontro ministerial está marcado para o fim de novembro. Mais reuniões e retrocessos: este é o quadro atual.

Os Estados Unidos deram uma pista de que novas e torturantes negociações serão necessárias até mesmo para garantir os pontos sobre os quais já havia acordo entre os países, antes da rodada sucumbir. Em encontro com os países de maior peso no comércio global, eles demonstram que querem maior proteção à produção doméstica agrícola e que estão dispostos a conceder pouco em troca dessa vantagem (Valor, 19 de outubro). A posição americana é favorável ao aumento das linhas tarifárias para produtos sensíveis de 4% para 6%. Esse aumento é possível desde que concedam um aumento da cota tarifária, o que os EUA não querem. O Canadá pegou carona na demanda americana e pretende obter os 6%, enquanto o Japão quer ir mais longe e conseguir proteção para 8% das linhas tarifárias. Brasil, Argentina, Uruguai, Austrália e Nova Zelândia, grandes exportadores agrícolas, criticaram os pedidos. O Brasil bateu pé para que a cota tarifária envolva pelo menos 10% do consumo doméstico dos países que se abrigam sobre a proteção dos "sensíveis".

Os EUA argumentam que há pressão enorme de seus agricultores, mas este sempre foi o mantra do governo americano, sujeito ao poderoso lobby agrícola no Congresso. Mas não se trata apenas disso. Doha foi relegada a segundo plano até agora pelo governo Obama, que enfrenta terríveis desafios na frente econômica, militar e está empenhado em uma batalha incerta para reformar o sistema de saúde. Isto justificaria em tese um baixo ativismo nas negociações, mas não a decepcionante renúncia a pontos sobre os quais havia acordo.

Em outra frente, o Brasil pode colher mais frustrações. Enquanto a União Europeia fechou acordo de livre comércio com a Coreia do Sul, mostra-se pouco preocupada em acelerar os entendimentos com o Mercosul. O acordo com os coreanos é amplo e resultará no desaparecimento gradual de tarifas de 99% dos produtos vendidos pela Coreia à UE e de 96% para as mercadorias da UE. O acordo beneficia especialmente os carros coreanos, que poderão competir em melhores condições que os brasileiros no mercado europeu, com um grande benefício extra - o conteúdo nacional caiu de 60% para 50%. Com isso, as importações de autopeças baratas chinesas poderão crescer, reduzindo o preço do produto final (Valor, 16 de outubro). No mercado coreano, o Brasil levará desvantagem em relação aos europeus, que poderão exportar carne suína isenta de tarifas, enquanto o similar brasileiro enfrenta barreiras sanitárias e tarifas.

A UE acena apenas com a cambaleante Rodada Doha para o Mercosul. As desavenças no Mercosul entre Brasil e Argentina são um obstáculo conhecido, apontado pelos negociadores da UE para que os entendimentos não prosperem. O breve desaquecimento das economias brasileira e argentina reavivou o crônico impulso protecionista argentino . A Argentina ampliou as licenças não automáticas e o Brasil começou agora a fazer o mesmo com vários produtos argentinos. As ações argentinas conseguiram tirar a liderança de seu mercado de calçados do produto brasileiro. As importações do vizinho caíram a 48%, enquanto a dos países asiáticos, China à frente, avançaram para 52%. O Mercosul, já dividido, encontrará mais dificuldades com a adesão oficial da Venezuela. No jogo do comércio global, o Brasil continua sem um plano B, enquanto a aposta em Doha ainda é de uma incerteza exasperante.