Título: Favorito no Uruguai, Mujica desperta receio entre os empresários
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2009, Internacional, p. A13

O Uruguai vai às urnas no domingo para eleger presidente e o Congresso. A eleição será acompanhada de um plebiscito para anular a lei de caducidade, que deu anistia a militares que participaram crimes na ditadura (1973-1985). O candidato do governo, José Mujica, lidera as pesquisas de intenção de voto, mas não deve vencer no primeiro turno. Mujica é o favorito para o segundo turno, em 29 de novembro.

Setores do empresariado e do agronegócio uruguaios veem com receio um governo liderado por Mujica, que tem um perfil mais à esquerda do que o atual presidente, Tabaré Vázquez.

Ex-guerrilheiro que ficou preso por 14 anos, Mujica adotou um discurso mais radical nas eleições internas da coalização governista Frente Ampla para definir quem disputaria a Presidência contra os candidatos dos dois tradicionais partidos do país, Colorado e Blanco. O principal opositor de Mujica é o ex-presidente Luis Alberto Lacalle (1990-1995), do Partido Nacional (blanco). Depois de ser indicado, Mujica suavizou o tom, na visão de alguns analistas, para agradar ao eleitorado mais centrista.

Segundo o instituto Factum, a Frente Ampla teria entre 48% e 50% dos votos. Os blancos, entre 30% e 32% e os colorados, entre 14% e 16% dos votos.

Na campanha, Mujica procurou associar sua imagem à do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Disse que seu eventual governo terá o brasileiro como referência, numa tentativa de afastar especulações de que o Uruguai poderia se alinhar à Venezuela, de Hugo Chávez. Na sua propaganda eleitoral, Mujica apareceu ao lado de Lula e caminhando por Brasília.

Para quebrar a resistência dos empresários, a Frente Ampla indicou como vice o ex-ministro da Economia Danilo Astori, de a uma corrente mais moderada dentro da coalizão esquerdista. Mujica avisou que deixará a economia nas mãos de Astori, o que ainda é visto com ressalvas por empresários.

O receio do empresariado deve-se, em grande medida, às propostas feitas pelo Movimento de Participação Popular (MPP), grupo a que pertence Mujica na coalizão. O MPP é formado, entre outros, por ex-tupamaros, como eram conhecidos os guerrilheiros uruguaios durante a ditadura. A desconfiança do empresariado e do agronegócio em Mujica apoia-se na incerteza criada pelo próprio candidato nas diferentes fases da campanha. Há medo de um dirigismo estatal na área econômica, por meio de controle de preços e salários e de uma eventual concorrência imposta pelo Estado ao setor privado, como no caso do setor de carnes. Especulou-se sobre a possível criação de um frigorífico de controle estatal.

Sobre o campo, Mujica diz em "Pepe Coloquios" - livro de entrevistas com ele lançado durante a campanha - que a terra é da Nação e que não deve ser um bem transferível nem uma propriedade, mas sim um bem para uso. E que o Estado deve ser um arrendador da terra. Ruralistas disseram que isso era o oposto do que o candidato havia dito a eles.

Octacilio Echenagusía, presidente da Federação Rural do Uruguai, de pequenos e médios produtores rurais, disse que Mujica transmite falta de previsibilidade. "Há incertezas porque não se tem confiança no rumo que ele quer dar ao país", disse ele ao Valor.

Uma autoridade brasileira que acompanha as relações bilaterais disse à reportagem que não há nenhum ponto do programa de Mujica ou nas suas declarações que desperte preocupação no governo brasileiro. "No caso do Mercosul, por exemplo, ele deve seguir a linha de continuar apostando na integração." Vázquez já insistiu que o Uruguai deveria ter flexibilidade para negociar com países de fora do Mercosul. Lacalle defende mais abertura nas negociações. É o que quer a Câmara de Indústrias do Uruguai, que cobra negociações de acordos bilaterais com terceiros países, isto é, com os EUA.