Título: Dores da expansão acelerada
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2010, Economia, p. 18

CONJUNTURA

Crescimento econômico em taxa chinesa expõe as falhas na infraestrutura, revela o rombo das contas externas e pressiona o BC

Crescer a ritmo chinês em 2010 vai expor um Brasil esburacado, com dificuldades para embarcar quase todo tipo de mercadoria e carente de mão de obra especializada. O ganho impressionante de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) registrado no primeiro trimestre do ano repôs as perdas causadas pela crise internacional, mas deverá antecipar ou até mesmo agravar gargalos na infraestrutura básica. O avanço sustentável da economia está atrelado ao tempo, a investimentos bilionários e à elaboração de regras de mercado mais claras.

A construção e a reforma de rodovias têm consumido cada vez mais recursos públicos, mas a demanda sufocou a oferta. O mesmo ocorre com portos e aeroportos, que, apesar de terem sido amplamente beneficiados nos últimos anos por projetos público-privados, na média, ainda estão longe de oferecer condições de competitividade aos setores ligados ao comércio internacional. ¿As estradas são ruins, as ferrovias melhoraram, mas a malha não é das mais extensas. Em termos de portos, talvez o problema mais grave, ainda há espaço para melhorar mais nos processos de integração¿, disse Fábio Abrahão, sócio-fundador do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos Infra), consultoria especializada em estudos e projetos de infraestrutura.

Regras frágeis A definição de marcos regulatórios é outro requisito que o crescimento acelerado exige. Segundo Abrahão, uma série de investimentos privados que só sai do papel se outros são realizados pelo poder público. A perspectiva de encerrar 2010 com uma alta do PIB de 6,5% a 8%, conforme preveem analistas e governo, carrega preocupações extras. ¿Hoje, ainda tem bastante questionamento sobre regras¿, resume. O analista do Ilos Infra afirma que é preciso gastar mais, melhor e rápido. ¿Não dá para resolver o problema em seis meses, mas também não dá para ficar parado¿, reforçou. A alta exagerada do PIB também vai expor a fragilidade das contas externas (leia mais na página 20).

O crescimento registrado nos primeiros três meses do ano foi o mais robusto desde 1995. Destaque para a indústria e os investimentos, que retornaram aos patamares pré-crise. Construção civil, comércio, agropecuária e serviços comemoraram recordes como há muito não faziam, graças à oferta de crédito e à ampliação do número de vagas no mercado de trabalho. Para Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o bom desempenho deverá ser mantido nos próximos trimestres, apesar do aperto da política monetária promovido pelo Banco Central (leia abaixo).

A formação de mão de obra qualificada é talvez o drama mais urgente de todos, advertem os especialistas. Antes mesmo de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmar que o país pisou no acelerador, muitos setores já reclamavam de falta de gente para vagas que exigem conhecimento ou estudo. Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, lembra que o custo para sanar esse e outros problemas é alto e o retorno é de longo prazo. ¿O crescimento atual não é um problema ainda, porque ele apenas recompôs a base perdida com a crise. Mas lá na frente, em 2011, a coisa vai ficar séria¿, alertou.

Levantamento elaborado Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no mês passado indicou, por exemplo, que o Brasil precisa injetar R$ 40 bilhões se quiser fazer frente ao aumento da demanda de carga ferroviária estimada para os próximos anos. Sem o aporte financeiro, as exportações poderão ser comprometidas. Outros R$ 60 bilhões seriam necessários para garantir a execução de obras secundárias à manutenção ou ao suporte de ferrovias.

Juros vão a 10,25%

Vânia Cristino

Pelo menos dessa vez, o Banco Central (BC) não surpreendeu. Reunido ontem para decidir o tamanho do aumento dos juros básicos e tentar segurar a inflação, um dia após o anúncio do forte desempenho econômico brasileiro no primeiro trimestre, o Comitê de Política Monetária (Copom) foi unânime em aprovar uma elevação de 0,75 ponto percentual na taxa Selic. Com isso, ela passou de 9,50% ao ano para 10,25%, voltando para o nível de abril de 2009. O movimento já era previsto pelo mercado e pelo governo, que esperam a interrupção do superaquecimento do nível de atividade.

Foi a segunda elevação consecutiva de 0,75 ponto. O aperto nos juros começou na reunião de abril, quando o ciclo de queda e estabilidade da taxa foi interrompido ¿ ela passou exatos nove meses, de julho de 2009 a abril deste ano, em 8,75%. No comunicado distribuído logo depois da reunião, os diretores do BC afirmaram que davam ¿prosseguimento ao processo de ajuste das condições monetárias ao cenário prospectivo da economia, para assegurar a convergência da inflação à trajetória de metas¿.

O desafio dos analistas, agora, é adivinhar se o novo ciclo de alta vai arrefecer ou não a partir do encontro do fim do mês que vem. ¿O PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas no país) forte não muda nada. Já era esperado. Já a inflação pode, nas reuniões futuras, afetar o tamanho do ciclo de aperto monetário¿, avaliou o estrategista-chefe do banco WestLB no Brasil, Roberto Padovani.

Pouco espaço Os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmaram uma diminuição no ritmo da elevação dos preços no mercado (leia mais na página 19). Usado pelo BC para definir a meta de inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,43% em maio. O indicador acumula variação de 3,09% no ano e 5,22% em 12 meses, valor superior ao centro da meta, de 4,5%.

Na avaliação do economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho, existe pouco espaço para o BC diminuir o ritmo de elevação da Selic no segundo semestre, pois o núcleo da inflação ainda está muito elevado. Tanto Padovani quanto Velho acreditam que a Selic pode chegar a 11,75% neste ano, totalizando uma alta de 3 pontos percentuais.