Título: Ingresso de Chávez marca novo retrocesso no Mercosul
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2009, Opinião, p. A14
O ingresso da Venezuela no Mercosul é agora uma fatalidade, nas duas acepções da palavra. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é favorável e os governistas têm maioria suficiente para colocar Hugo Chávez como uma das vozes ativas no destino do bloco comercial. Faz tanta diferença?
A diplomacia brasileira enxerga o Mercosul também como uma aliança política capaz de contrapor interesses comuns aos da potência hegemônica no continente, os Estados Unidos. A faceta comercial do bloco revelou-se vigorosa a princípio, mas está sendo desconstruída há tempos por todos os integrantes do bloco - por coincidência, todos são governos nacionalistas e de esquerda. Há desavenças para todos os gostos e basta uma fotografia de filas enormes de caminhões parados nas fronteiras entre Brasil e Argentina para ilustrar o risco sempre presente de desintegração comercial por disputas entre as duas maiores economias. O presidente paraguaio, Fernando Lugo, deu ultimatos ao Brasil para renegociar o Tratado de Itaipu e apresentou várias contas a serem pagas pelo governo brasileiro. A Argentina, com sua política abertamente destrutiva, conseguiu eliminar uma boa fatia das mercadorias brasileiras de seu mercado com cotas, enquanto que o espaço aberto foi preenchido por bens asiáticos, especialmente chineses. O Uruguai vive esperneando e pregando sua vocação pró-americana, com o argumento de que há pouco espaço para seus anseios no bloco.
Se os presidentes não se entendem e se há guerras comerciais abertas no Mercosul, por que deixar Chávez de fora? O bloco marcha para a irrelevância e se terminar com discursos pomposos e retórica anti-imperialista pode ser um fim inglório, mas pelo menos mais animado. Alguns dos melhores argumentos para a defesa do ingresso da Venezuela são precários. O Brasil exportou US$ 5 bilhões para o país em 2008 e é amplamente superavitário. Mas os maiores mercados brasileiros são a União Europeia e os Estados Unidos. Os EUA, para o qual o Brasil vendeu US$ 27,4 bilhões em 2008, é o "inimigo". A UE, destino de US$ 46,4 bilhões em exportações no ano passado, reluta em fazer acordo com o Mercosul porque o bloco não consegue ter posição comum por causa de divergências argentinas. Não resta dúvida de que a entropia será garantida com a participação do novo membro, Hugo Chávez, que prefere comerciar com Cuba e parceiros da Alba.
Não há dúvidas de que com Chávez no bloco as divergências tendem a aumentar. Basta lembrar uma de suas camaradagens recentes, a de colocar o Brasil e sua embaixada na defesa do boliviariano Manuel Zelaya em Honduras. E enquanto o presidente Lula mal terminava uma reunião de aproximação com o presidente colombiano Alvaro Uribe, Chávez anunciava com estardalhaço a prisão de agentes colombianos no território venezuelano, depois de quase provocar uma guerra entre os dois países recentemente. Apesar disso, a diplomacia brasileira acredita que a melhor forma de ter algum controle sobre as atitudes destemperadas e irresponsáveis de Chávez é inclui-lo no Mercosul. Na prática, Chávez já participa das reuniões do Mercosul, e desde que as negociações para sua inclusão foram iniciadas o que se viu não foi moderação, responsabilidade ou qualquer coisa parecida. Ao contrário, Chávez ampliou suas provocações, em especial as agressões à democracia em seu próprio país.
O governo brasileiro acredita que a Venezuela de Chávez preenche todos os requisitos democráticos para pertencer ao Mercosul. Mas ele é um presidente vitalício, que controla todos os instrumentos de poder, do Congresso ao Judiciário. As eleições são cada vez mais controladas caminham para a caricatura que foram os pleitos comunistas ou os de Saddam Hussein. Apesar de existir oposição, hoje ela está acossada por medidas casuísticas e prisões. Chávez manipula e estatiza os meios de comunicação. A Venezuela tornou-se uma democracia de fachada que caminha para uma ditadura no estilo cubano, e sua economia tem sido arruinada pela incompetência e o aparelhamento do Estado pelo chavismo.
O Mercosul parece ter desistido de buscar convergências em seu interior ou acordos comerciais relevantes com as economias desenvolvidas. Com Chávez, deve retroceder ainda mais, mas talvez a diferença, em relação ao que o Mercosul é hoje, não seja exatamente notável.