Título: Setor privado pede reinvenção do Mercosul
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2009, Brasil, p. A2

Todo acordo comercial do Mercosul tem sido uma dificuldade, embora nenhum até agora tenha deixado de ser assinado por causa de divergências no bloco. O Brasil sempre conseguiu impor uma solução, mas pagando um preço para os outros membros do bloco.

Agora, com o estado cada vez mais calamitoso do bloco, aumenta no setor privado brasileiro a demanda pela "reinvenção" do projeto de integração regional. A opção seria recuar e transformar a união aduaneira em área de livre comércio, desmontando a Tarifa Externa Comum (TEC), já razoavelmente furada.

Com isso, o Brasil poderia fechar sozinho importantes acordos bilaterais de comércio - com a União Europeia, por exemplo, e mais tarde com os próprios Estados Unidos, na visão de alguns segmentos empresariais.

Mas o Valor apurou que no governo Lula outra opção, menos radical, ganha terreno. É a ideia da "flexibilidade negociadora": o Mercosul negocia um "núcleo duro" de acordo comercial, ficando 20% a 30% das linhas tarifárias para serem negociadas individualmente por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e, no futuro, a Venezuela. "30% é o ideal, 20% é o mínimo", diz um alto funcionário em Brasília, que diz haver entendimento entre os Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento e o Itamaraty.

Assim, o Brasil pode oferecer a abertura de certos setores industriais que a Argentina não estaria em condições de aceitar. Ou, na área agrícola, a liberalização do setor de açúcar, que os argentinos tampouco aceitam. "A irritação no Palácio do Planalto com as barreiras argentinas aumentou tanto que agora só falta a coragem de alguém para colocar no papel a opção que praticamente tem consenso nos ministérios", diz a fonte.

A flexibilidade facilitaria acordos comerciais num momento em que a Argentina tem dificuldades para liberalizar seu mercado, com um processo de reindustrialização que passa pela percepção de que precisa de proteção na fronteira, notam negociadores.

Paraguai e Uruguai também têm resistido a acordos de livre comércio do bloco com outros parceiros porque querem manter o mercado brasileiro cativo. Toda vez que há um acordo do Mercosul com com outros países, é criada uma competição adicional que paraguaios e uruguaios passam a ter no mercado brasileiro, corroendo suas preferências. De maneira geral, os dois negociam mais com o Brasil do que com outros países, tentando manter suas vantagens.

De quarta a sexta-feira, Mercosul e União Europeia vão examinar em Lisboa se é possível retomar a negociação visando realmente a fechar um acordo de livre comércio "possivel" no ano que vem, durante as presidências espanhola na UE e argentina no Mercosul.

Até agora, acordo do Mercosul só deixou de ser assinado por causa dos setores econômicos. Na negociação com as seis nações do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico (Arábia Saudita, Catar, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Omã e Bahrein), foram Brasil e Argentina que não aceitaram a abertura na área petroquímica. Os árabes, com bilhões de dólares em investimentos, consideravam que era no setor seu principal ganho.

Em 2010, o Mercosul continuará a negociar com Marrocos, Egito, Jordânia e Turquia. O acordo com Israel ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos.