Título: Disputa trabalhista compromete a Vale
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2009, Empresas, p. B9

Uma disputa trabalhista que paralisa as atividades da mineradora Vale no Canadá há mais de três meses ganhou intensidade nas últimas semanas e ameaça comprometer a capacidade que a empresa brasileira terá de aproveitar oportunidades criadas pela recuperação da economia mundial.

A crise internacional fez a Vale suspender em junho a produção nas minas e nas refinarias de Sudbury, a cidade onde estão os ricos depósitos de níquel e cobre que a Vale passou a controlar com a aquisição da mineradora Inco, em 2006. Os trabalhadores entraram em greve em julho e desde então a empresa tem dificuldades para voltar a produzir.

Cerca de 3,3 mil dos 4,6 mil trabalhadores da Vale Inco na província de Ontario, onde se concentram suas operações no Canadá, estão parados. A companhia começou a deslocar técnicos e funcionários dos seus escritórios para áreas de produção no início do mês, num esforço para reativar operações em duas minas e uma refinaria de cobre.

Na semana passada, quando anunciou os resultados do terceiro trimestre, a empresa informou que a paralisação custou até agora US$ 209 milhões em despesas com a manutenção de equipamentos e instalações afetadas pela greve. A produção de níquel no Canadá foi reduzida a um quarto do nível obtido no mesmo período de 2008.

A empresa tem adquirido produtos acabados no mercado para honrar contratos com clientes, num indício de que seus estoques podem ser insuficientes para enfrentar uma greve mais longa. A Vale evita discutir a situação dos seus estoques, para não gerar desconfianças entre clientes e não enfraquecer sua posição nas conversas com os grevistas.

A greve atingiu a empresa num momento em que a recuperação da economia mundial fez ressurgir a demanda pelos produtos da mineradora. A produção de aço inoxidável, que consome boa parte do níquel produzido no mundo, voltou aos níveis observados antes da crise. Os preços do metal, que despencaram no ano passado, estão se recuperando lentamente.

A tensão entre a Vale e os grevistas tem gerado grande animosidade. "A empresa quer se aproveitar da crise para extrair concessões e destruir o padrão de vida que conquistamos ao longo dos anos", diz Myles Sullivan, um ativista dos Metalúrgicos Unidos (USW, na sigla em inglês), o poderoso sindicato que representa os funcionários da Inco.

Há duas semanas, numa manifestação em Sudbury, o presidente da sede local do sindicato, John Fera, atacou diretamente o presidente da Vale, Roger Agnelli, fazendo uma referência aos desentendimentos que ele teve recentemente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Aguentem firme, nós vamos pegá-los", disse Fera aos grevistas. "Até o presidente do Brasil pediu a demissão de Roger Agnelli."

Dois grevistas foram no início do mês até a Alemanha e a Suécia protestar contra um cliente da Vale que recebeu uma carga de concentrado de cobre embarcada no Canadá. Eles falaram com o capitão do navio e pediram à empresa que evite novas encomendas enquanto a greve durar. Um sindicalista sueco que tem assento na diretoria da companhia prometeu ajudar.

No centro da disputa estão os custos elevados das operações da Vale no Canadá. A direção da empresa brasileira quer reduzir os benefícios que os trabalhadores canadenses conquistaram antes de sua chegada a Sudbury e propôs mudanças significativas no contrato coletivo da categoria, que é rediscutido a cada três anos e expirou em maio.

Desde o fim dos anos 90, os funcionários da Inco recebem um bônus calculado de acordo com os preços do níquel no mercado mundial. Em 2007, quando o metal se valorizou como nunca, cada trabalhador levou para casa mais de US$ 20 mil graças ao benefício. Um funcionário típico da mineradora no Canadá ganha cerca de US$ 60 mil por ano.

A Vale propôs mudanças na maneira como o bônus é calculado e quer impôr um teto ao benefício, para que ele não ultrapasse 20% do salário. Desde a aquisição da Inco, os trabalhadores receberam US$ 178 milhões em bônus, uma fração dos US$ 4,1 bilhões em lucros obtidos pela companhia no Canadá, segundo cálculos do USW.

A Vale também quer mudar o custeio da aposentadoria dos empregados. Eles têm direito a um plano em que a companhia garante benefícios definidos com anos de antecedência e se compromete a cobrir a diferença se as contribuições feitas durante a carreira dos funcionários forem insuficientes.

A Vale calcula que tem uma dívida de US$ 725 milhões com os trabalhadores canadenses por causa da insuficiência das contribuições feitas nos últimos anos. Ela quer adotar para os novos funcionários planos de contribuição definida, em que os benefícios são calculados na hora da aposentadoria de acordo com as contribuições feitas durante a carreira.

As mudanças são consideradas pela empresa essenciais para o futuro dos seus negócios no Canadá, mas o sindicato se recusa a discuti-las. "Precisamos reduzir custos para garantir que nossa operação será sustentável no longo prazo", afirma o diretor de comunicações da Vale Inco, Cory McPhee. "O sindicato tem que reconhecer que o mundo mudou."

Representantes dos dois lados têm mantido contato, mas não sentam à mesa para negociar desde o início da paralisação. O impasse arranhou a reputação da Vale, mas também criou problemas para o sindicato. "Com a crise e o desemprego, muita gente tem criticado os grevistas por considerá-los privilegiados", diz o presidente da Câmara de Comércio de Sudbury, Steve Irwin, gerente do Scotiabank na cidade.

Os sindicalistas se dizem dispostos a manter a queda-de-braço com a companhia por meses. A todos que duvidam, eles gostam de lembrar de uma greve que paralisou as minas da Inco em Sudbury por nove meses no fim da década de 70. Os grevistas voltaram ao trabalho sem fazer nenhuma das concessões que a empresa tentou obter na época.

Mas a situação atual é diferente. As operações no Canadá representam uma fração pequena dos negócios da Vale, o que aumenta sua capacidade de resistência no confronto com os grevistas. A produção de níquel da Inco, que chegou a corresponder mais de um terço do faturamento da Vale no início de 2007, representou apenas 14% no trimestre.

Mesmo com a recuperação da demanda no mercado internacional, é possível que a empresa tenha condições de se manter afastada por mais tempo da mesa de negociações. "A retomada ainda é bastante incipiente e uma volta da Inco ao mercado agora poderia interromper a recuperação dos preços do níquel", diz Terry Ortslan, da TSO & Associates, uma consultoria canadense.