Título: Mais um round
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2010, Mundo, p. 28

CRISE NUCLEAR

Conselho de Segurança da ONU aprova sanções contra o Irã, que promete jogá-las ¿no lixo¿. Só Brasil e Turquia votaram contra

Para o governo brasileiro, as novas sanções contra o Irã aprovadas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) por 12 votos a 2 (e uma abstenção, do Líbano) comprovam que as grandes potências não querem negociar. ¿O Conselho jogou fora uma oportunidade histórica de negociar tranquilamente o programa nuclear iraniano. É uma vitória de Pirro¿, afirmou presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em referência à expressão de origem grega, segundo a qual a luta pode ser prejudicial ao vencedor. Na votação de ontem, como era esperado, apenas Brasil e Turquia foram contrários às novas punições ao regime iraniano. Enquanto os Estados Unidos comemoram o sucesso, para o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, as medidas ¿não valem um centavo¿ e devem ir ¿para o lixo¿.

Apesar das restrições econômicas, o Irã não deve interromper as operações de enriquecimento de urânio. Para especialistas, o cabo de força deve continuar. ¿A resolução do Conselho pode ter significado uma vitória tática e limitada da administração de Barack Obama, mas tem um impacto mínimo para o programa nuclear do Irã¿, afirmou ao Correio Nader Entessar, professor do Departamento de Ciência Política e Justiça Criminal da Universidade do Sul do Alabama.

De acordo com o professor iraniano radicado nos Estados Unidos, as relações diplomáticas devem piorar, e Ahmadinejad pode endurecer as regras de seu programa nuclear. ¿É mais um jogo de relações públicas que vai reforçar as estratégias iranianas para continuar adiante. A decisão de ontem pode diminuir o papel da ONU e as implicações da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no Irã. Com certeza, o governo iraniano vai impedir os trabalhos da agência em seu país e as relações serão ainda menos amigáveis que antes¿, sugere Entessar.

As sanções parecem ter sido a melhor escolha das potências para pressionar Ahmadinejad e forçar novas negociações. Para a Rússia, as medidas devem impulsionar novas conversas diplomáticas. Segundo um comunicado divulgado pela Ministério das Relações Exteriores do país, a resolução aprovada pelo Conselho não é tão ¿paralisante¿. A França agradeceu os esforços do Brasil e da Turquia, declarou que ¿a porta do diálogo permanece aberta¿ e afirmou ¿esperar que o Irã opte, enfim, pela cooperação¿. Mas a solução também pode virar um problema. O governo turco alertou que a decisão corre o risco de prejudicar ainda mais o diálogo e até mesmo comprometer uma solução pacífica.

Efeitos Durante a votação, a embaixadora brasileira no Conselho de Segurança da ONU, Maria Luiza Ribeiro Viotti, declarou que a decisão poderia trazer consequências. ¿Não vemos as sanções como instrumento efetivo. Com toda a certeza, vão provocar o sofrimento do povo do Irã e favorecer os que não querem que o diálogo prevaleça. Experiências passadas na ONU, em especial no caso do Iraque, mostram que a espiral de sanções, ameaças e isolamento pode ter como resultado trágicas consequências¿, disse.

Segundo o norte-americano Leonard Spector, diretor do Instituto de Estudos Internacionais de Monterey (na Califórnia), a proposta mediada por Brasil e Turquia veio muito tarde. ¿O Irã teve a oportunidade de aceitar um acordo em outubro, mas o rejeitou. Para as potências, isso significou que as sanções seriam a única resposta. Mesmo porque a proposta não comentava sobre o programa de enriquecimento de urânio e o governo iraniano apresentou poucas informações sobre o assunto¿, comentou.

Para Spector, sob o ponto de vista de Washington, o acordo feito entre os três países parecia um esforço do Irã para evitar novas sanções e qualquer restrição significativa em seu programa nuclear. ¿Espero que as sanções sejam poderosas quando forem implementadas. O embargo obrigatório da venda de grandes armamentos para o Irã, a inspeção no carregamento e o limite para transações com bancos iranianos serão implementados agressivamente pelos Estados Unidos e pela Europa. Então, as punições definitivamente terão um impacto sério e podem dar um freio nos esforços nucleares do Irã¿, prevê.

Brasil e EUA trocam farpas

As ¿sérias diferenças¿ entre Brasil e Estados Unidos no tema do Irã, mencionadas na semana passada pela secretária de Estado Hillary Clinton, voltaram à evidência nos comentários dos dois governos sobre a aprovação das sanções pelo Conselho de Segurança. ¿O Brasil e a Turquia terão de explicar o significado do seu voto¿, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Phillip Crowley, que no entanto ressaltou o ¿respeito¿ de Washington pelos ¿pontos de vista diferentes¿ do governo brasileiro sobre o impacto da resolução para o impasse nuclear.

Em Brasília, o ministro Celso Amorim recusou-se a ¿responder para porta-voz¿, e reafirmou a oposição do país à estratégia americana: ¿Não conheço um país grande que não tenha tido discordâncias com os EUA nos últimos anos¿. Segundo o chanceler ¿talvez a Inglaterra¿ tenha sempre acompanhado Washington, mas ¿a França teve, a Rússia, a China tem¿.

Coube a Hillary, que estava ontem em visita à Colômbia, colocar panos quentes nas divergências públicas com o governo Lula. A secretária de Estado ressaltou que Brasil e Turquia, membros temporários do conselho e patrocinadores de um acordo com Teerã prevendo a troca de urânio enriquecido, ainda podem funcionar como uma ponte entre o regime islâmico e o Ocidente. Ponderou que os dois aliados podem ter votado de maneira a ¿manter uma porta aberta¿, potencialmente útil ¿na atua abordagem diplomática¿ da crise.

Falando à imprensa no Itamaraty, Celso Amorim fincou pé em defesa da posição e do voto do governo brasileiro. ¿Nossa posição foi independente, não foi quixotesca¿, afirmou o chanceler, justificando a decisão de votar efetivamente contra a resolução, embora na companhia apenas da Turquia. ¿Dizer não, em vez de se abster, era a única posição honrosa, honesta e justa¿ para os dois governos que copatrocinaram o acordo firmado em Teerã em 17 de maio. ¿Se tivéssemos votado de outra maneira, teríamos perdido totalmente a credibilidade.¿

O ministro não perdeu a oportunidade de, uma vez mais, questionar a posição dominante das potências com poder de veto na mais elevada instância da ONU: ¿Infelizmente, os cinco membros permanentes (são) detentores de armas nucleares, algo que não coincide com o Tratado de Não Proliferação¿.

A letra da lei

O que é exigido e o que é recomendado aos países no pacote de sanções

Material nuclear Obrigatório: a resolução proíbe qualquer intercâmbio com o Irã em atividades relacionadas a extração, beneficiamento e processamento de urânio e outros materiais físseis, assim como cooperação tecnológica nesse terreno.

» Tecnologia de mísseis Obrigatório: a mesma disposição se aplica no que diz respeito a mísseis balísticos capazes de portar ogivas nucleares. Recomendação: os países são instados a ¿evitar¿ a transferência (direta ou indireta) para o Irã de tanques, sistemas de artilharia pesada, aviões e helicópteros de combate, tanques e blindados, navios de guerra e sistemas de mísseis.

Movimentação financeira Obrigatório: bancos e outras instituições financeiras vinculadas ao programa nuclear (diretamente) ou à Guarda Revolucionária do Irã são banidas de operar nos países membros. Recomendação: o texto não lista instituições ou indivíduos nominalmente, o que faculta a cada país interpretar a definição acima.

Vigilância e inspeções Recomendação: os membros da ONU são convocados a ¿exercer vigilância e restrições¿ sobre a movimentação de materiais e tecnologias proibidos ao Irã. Especificamente em relação à inspeção de cargas, os países são instruídos a fazê-la ¿em concordância com sua própria legislação e autoridade competente¿, desde que esta última disponha de ¿informação com fundamentos razoáveis¿. Recomendação: os governos são autorizados a requerer inspeção a outros países, porém o procedimento estará sujeito a consentimento por parte do país de matrícula da embarcação ou aeronave.

Todos são chamados a ¿cooperar¿ com as medidas.

Reações pelo mundo

Estados Unidos Em Washington, Barack Obama comemorou a ¿votação esmagadora¿ contra o Irã como uma ¿mensagem inequívoca¿ de compromisso com a não proliferação de armas nucleares.

Brasil O presidente Lula qualificou a decisão do Conselho de Segurança como ¿um equívoco¿, uma ¿vitória de Pirro¿, e comparou-a à atitude de ¿um pai que às vezes é obrigado a dar uma palmada, mesmo que o filho não mereça, para dizer que é o pai¿.

Rússia Em comunicado, a chancelaria elogiou o conselho por não votar sanções ¿asfixiantes ou paralisantes¿ e saudou a resolução como ¿um impulso à diplomacia¿.

Israel O único país do Oriente Médio que detém um arsenal atômico elogiou as sanções como ¿um passo importante numa boa direção¿, mas defendeu ¿outras medidas¿ se o Irã ¿não renunciar a seus projetos nucleares¿.

França O porta-voz da chancelaria, Bernard Valero, afirmou que a resolução votada ontem ¿não vai pôr um ponto final¿ no impasse com o Irã. Ele reiterou apoio a uma solução negociada, mas desde que o Irã ¿escolha cooperar e se engajar verdadeiramente¿.

Alemanha Na avaliação da chanceler (chefe de governo) Angela Merkel, o texto aprovado ¿exprime claramente que o mundo garantirá que o Irã não consiga jamais construir um arsenal atômico¿.

Itália O chanceler Franco Frattini disse esperar que o regime islâmico ¿volte à mesa de negociações¿.