Título: DEM avança com autonomia do BC
Autor: Raquel Ulhôa
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2009, Política, p. A6

Uma proposta de lei complementar com a finalidade de regulamentar o sistema financeiro nacional - entre outros pontos, dando autonomia operacional ao Banco Central - começou a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na semana passada, à revelia do governo. Trata-se de substitutivo do senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), resultado da análise de seis projetos sobre o assunto.

Empresário e professor de Finanças Corporativas da Universidade Federal da Bahia, ACM Júnior se propõe a fazer uma atualização da Lei 4.595, de 1964, conhecida como a lei da reforma bancária. O substitutivo regulamenta o artigo 192 da Constituição, que trata do sistema financeiro nacional.

São ampliadas as competências do Conselho Monetário Nacional (CMN), que passa a se chamar Conselho Financeiro Nacional (CFN). O argumento do relator é que o nome atual "dá uma ideia de restritividade à questão monetária". O CFN passa a ter a participação (sem direito a voto) dos presidentes das comissões permanentes da Câmara e do Senado que tratam de questões financeiras.

O substitutivo transforma as empresas que atuam na indústria de cartões de crédito e débito em instituições financeiras, o que as torna sujeitas à fiscalização do Banco Central. Também precisarão de autorização da autarquia para funcionar. Atualmente, há empresas no segmento que não são consideradas instituições financeiras, estando livres da fiscalização do BC.

O parecer foi apresentado na quarta-feira, mas a discussão será iniciada no dia 11. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) pediu vista para que o Banco Central se manifeste sobre o mérito. "Se eles não mandarem uma resposta rapidamente, vou lavar as mãos. Retiro meu pedido de vista e voto como está", diz Dornelles, que afirma já ter solicitado um posicionamento do BC.

"A atuação do Banco Central tem sido muito fraca no Senado. Ele tem sido muito omisso, assim como a CVM [Comissão de Valores Mobiliários]. Vários projetos da área de atuação desses órgãos chegam na hora da votação sem uma posição deles", afirma Dornelles, que é da base de sustentação parlamentar do governo. "Se o Banco Central não acompanha os projetos em tramitação no Senado, é porque não respeita a Casa", completa. Ele não quis dar sua opinião, alegando não ter analisado o projeto.

Na proposta, o mandato dos membros da diretoria do Banco Central é fixado em quatro anos e eles só poderão ser demitidos após aprovação do Senado ao pedido do presidente da República, que deve ser acompanhado de exposição de motivos justificando a medida. "Isso garante que esses dirigentes fiquem imunes a demissões sumárias", diz ACM Júnior.

Ele propõe ainda o descasamento do mandato do dirigente do BC com os do presidente da República e dos ministros da área econômica. Para isso, o primeiro mandato do presidente e de dois dos oito diretores do BC deve terminar em 31 de dezembro do primeiro ano da legislatura federal iniciada após a transformação do projeto em lei. Outros três diretores terminam o mandato um ano depois e os outros três, após mais um ano.

"Hoje o Banco Central tem uma autonomia de boca. O presidente resolveu que o governo não vai interferir na fixação da taxa de juros. Mas um outro governante pode pensar diferente. Por isso é importante tornar a instituição efetivamente independente", diz o relator. Ele define como principal objetivo do BC a defesa da estabilidade de preços.

Apesar de alguns especialistas defenderem que a fiscalização do sistema financeiro deveria ficar a cargo de um órgão independente, o relator mantém a área no Banco Central. Para ele, a crise recente mostrou a necessidade de "vínculo entre a fiscalização, de natureza microeconômica, e a supervisão, de natureza macro, com o intuito de acompanhar a estabilidade do sistema".

O substitutivo transforma o Fundo Garantidor de Crédito em um Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), com poderes para resolver crises bancárias, a exemplo do que fazia o Proer. "Poderá financiar reestruturações societárias de instituições financeiras com problemas de solvência, de forma que o custo desse tipo de intervenção deixaria de ser do Banco Central", diz ACM Júnior no parecer.

Integrante de um partido de oposição, ACM Júnior é relator de seis projetos relativos a questões financeiras, mas a proposta original básica é de 2007, do líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). O projeto regulamenta o artigo 192 da Constituição, que trata do sistema financeiro nacional. A CCJ realizou duas audiências públicas sobre o tema, uma delas com a participação do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e dos ex-presidentes Armínio Fraga e Gustavo Loyola.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, segundo ACM Júnior, "foi convidado para participar de uma audiência pública, não apareceu e nem sequer deu satisfação". Ele considera seu substitutivo "uma primeira abordagem", aberto a emendas e modificações. "Apresentei até para que o governo se manifeste. Ninguém vai votar um projeto desse sem que o governo se manifeste. Ele não deve ser tratado politicamente." (Colaborou Alex Ribeiro)