Título: Uma agenda ambientalista deve prevalecer em 2010 ::
Autor: Haddad , Paulo R.
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2009, Opinião, p. A12

A partir do início do próximo ano, quando os partidos políticos começarem a apresentar os seus programas de governo para as eleições de 2010, algumas questões irão sensibilizar o eleitorado mais do que outras. Não me parece que o tema da estabilidade econômica seja um deles. O Brasil já aprendeu como conduzir eficazmente as políticas econômicas de curto prazo de tal forma que haja um equilíbrio entre os objetivos das taxas de inflação, de crescimento econômico e de desemprego. Da mesma forma, as políticas sociais compensatórias cuidaram bem de reduzir e acomodar politicamente as nossas dramáticas desigualdades e assimetrias sociais, dentro das restrições impostas pela responsabilidade fiscal dos três níveis de governo.

É evidente que, nos limites das políticas públicas, é sempre possível conquistar novos e melhores resultados na margem. Um sistema educacional de melhor qualidade, maior controle sobre a eficiência das políticas sociais compensatórias ou o aperfeiçoamento do sistema de metas de inflação podem trazer progresso econômico e social para o país ao longo do próximo lustro, mas sem constituir um núcleo forte para a estruturação de um novo programa de governo. Na verdade, o debate econômico está atualmente carregado de uma overdose de macroeconomia de curto prazo e há uma desconfiança de que as políticas sociais compensatórias estariam levando os seus beneficiários a uma situação de conformismo e de histerese socioeconômica.

Considero que as questões fundamentais para compor uma agenda de um novo mandato presidencial recairão sobre a temática de um processo de desenvolvimento sustentável para o Brasil e suas regiões. Essa temática inclui as questões das mudanças climáticas, da matriz energética, da conservação e preservação de nossos biomas, do desmatamento da Amazônia, da gestão sustentável dos recursos naturais renováveis e não-renováveis, da poluição ambiental das metrópoles, etc.

Basta observar o crescente espaço que essas questões vem ocupando nos meios de comunicação para perceber o quanto a opinião pública vem se conscientizando e se sensibilizando sobre a necessidade de outro padrão de desenvolvimento no Brasil.

Contudo, a estruturação dessa agenda pressupõe a articulação inteligente e operacional de três objetivos de desenvolvimento: crescimento econômico sustentado e competitivo globalmente, melhorias acentuadas na distribuição de renda e da riqueza, preservação e conservação dos ecossistemas por meio das regras básicas de sustentabilidade ambiental. A operacionalização dessa articulação tripartite exige algumas pré-condições que serão inovadoras no processo de planejamento de médio e de longo prazo no país. Algumas observações preliminares sobre como operacionalizar esse eventual programa podem ser avançadas.

Em primeiro lugar, é preciso construir a macroeconomia da sustentabilidade, a fim de que não se reproduza o atual padrão de políticas públicas, no qual os problemas do desenvolvimento sustentável caminham em paralelo e descasados das políticas econômicas de curto prazo. Para isso, é preciso que se incorporem instrumentos econômicos e financeiros nas políticas ambientais (na União Europeia eles são mais de 130), adaptar o sistema tributário (ecocrédito municipal, ICMS ecológico, crédito presumido de IPI para a indústria de reciclagem, etc.) e o sistema financeiro (o Protocolo Verde) para que produtores e consumidores adotem um comportamento ecologicamente amigável e, principalmente, reorientar a estrutura dos gastos públicos na direção de infraestruturas de baixo carbono, de segurança energética, etc.

Na linha de se construir uma agenda da macroeconomia da sustentabilidade, pode-se pensar até mesmo numa experiência de Orçamento de Base Zero, de metodologia reconhecida em diversos países mais desenvolvidos por organizações públicas e privadas. A reprogramação dos recursos públicos que já estão sendo normalmente aplicados, pelos três níveis de governo, é uma das alternativas de financiamento do desenvolvimento sustentável, mais importante do que as tentativas de vincular receitas ou de gerar fundos adicionais.

De acordo com a conhecida metodologia do Orçamento de Base Zero, nenhum órgão da Administração Direta ou Indireta dispõe, inicialmente, de cotas preestabelecidas ou corrigidas segundo regras uniformes. Na verdade, tem de haver uma sólida justificativa para cada programa, sub-programa, projeto ou atividade a ser incluído no orçamento, a fim de se ter acesso aos recursos fiscais. A partir do conjunto de demandas multifacetadas, estrutura-se o novo orçamento, tendo como referência estratégias de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, promove-se consistentemente o casamento dos orçamentos com as estratégias de desenvolvimento e, eventualmente, poderá se concluir pela redução da carga tributária na base de 1% do PIB por ano de mandato.

No nível das políticas de desenvolvimento produtivo (PDPs) é preciso considerar que já se dispõe de inovações tecnológicas, informação e conhecimento para lidar adequadamente com os problemas ambientais, de maneira custo-efetivo e, em muitas áreas, de maneira muito rentável e lucrativa. E que os ganhos de produtividade dos recursos (materiais e de energia) e as possibilidades de diferenciação dos produtos para as empresas por meio de desenvolvimento sustentável serão os fatores determinantes dos novos ciclos de inovação. Diversos estudos recentes propõem que os paradigmas de melhorias simultâneas no meio ambiente e na competitividade podem emergir, desde que se observe que há inúmeros recursos potenciais não mobilizados para a melhoria da produtividade ao longo de toda a economia.

Operacionalmente, o que se propõe é considerar, na construção de uma agenda ambientalista para 2010, o meio ambiente não apenas como um fator de produção a mais e residual, mas como o elemento pivotal que contém, provisiona e sustenta toda a economia para se construir um novo paradigma de desenvolvimento que seja, simultaneamente, economicamente eficiente, socialmente justo e ambientalmente sustentável.

Paulo R. Haddad é professor do IBMEC/MG. Foi ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.