Título: Expansão rápida gera gargalos na construção
Autor: D"Ambrosio , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2009, Empresas, p. A6

O setor de construção civil emergiu da crise quase como um ícone da virada - alcançou uma veloz e, ao que tudo indica até agora, consistente recuperação. Embaladas pela demanda do programa Minha Casa, Minha Vida, as maiores construtoras brasileiras, a partir do próximo ano, encostam no seleto grupo das gigantes mundiais, com vendas acima de 40 mil unidades ao ano, como as mexicanas Homex e Geo, a americana DR Horton e a chinesa Venke. Crescer nessa proporção é um desafio que nenhuma companhia nacional jamais enfrentou - nem mesmo no auge do setor em 2007. E, nesse novo cenário, vários nós precisam ser desatados: da própria capacidade construtiva das empresas, à agilidade da Caixa Econômica Federal, passando pela pressão de custo de matérias-primas e mão de obra.

É certo que 2010 será um ano de expansão - a dúvida está em saber se e como será possível enfrentar essa fase mais robusta sem atropelos. As maiores construtoras brasileiras devem atingir vendas na casa de R$ 3 bilhões. E há uma infinidade de pequenas empresas que, juntas, ajudarão a aumentar consideravelmente o número de canteiros de obras ativos. Com um nível de atividade mais intenso, surgem os gargalos. Segundo as próprias incorporadoras, analistas e consultores ouvidos pelo Valor, há riscos inerentes ao novo cenário.

Embora as maiores do setor (Cyrela, MRV, PDG Realty e Rossi) estejam capitalizadas com as recentes ofertas de ações, crescer de forma saudável - e, principalmente, rentável -e na velocidade que a demanda exige é um dos grandes desafios das companhias a partir de agora. "Não é só uma questão de ter captado dinheiro, mas de escala. Quanto maior o tamanho da empresa, maior a pressão por capital de giro", afirma Leonardo Zambolin, analista do setor imobiliário da Goldman Sachs. O trabalho é árduo. Para conseguir o mesmo VGV (valor geral de vendas) de um único edifício de alto padrão, é preciso construir mais de 300 residências populares.

É unânime. Um dos principais gargalos diz respeito à capacidade construtiva das companhias. Ainda não houve um ciclo completo da baixa renda, depois da implantação do programa habitacional do governo. Por enquanto, as companhias estão na fase do lançamento, vendas e o início da construção. Falta o principal, a entrega, que encerra o ciclo. "O maior desafio passa pela construção e pela produção", diz Rubens Menin, presidente da mineira MRV. A empresa pretende vender entre R$ 3,7 bilhões e R$ 4,3 bilhões em 2010. A expectativa é produzir cerca de 30 mil unidades, mas se anualizar a produção de dezembro, de 3,5 mil unidades, a MRV produzirá mais de 40 mil no próximo ano.

Segundo analistas, a MRV diminuiu o ritmo de vendas para poder dar conta da entrega lá na frente. Menin admite que desacelerou os lançamentos para trabalhar com um nível de produção saudável no ano que vem. "Se eu quisesse lançar o dobro, eu poderia. O problema não está nas vendas, mas na produção", diz. Embora o plano do governo tenha aumentado a demanda, a empresa começou a se preparar há algum tempo. "Temos um comitê de planejamento de produção. Hoje, eu te falo tudo o que vou fazer em 2010 com detalhes", diz o empresário. Para conseguir controlar custos, a MRV faz tudo "dentro de casa" e não terceiriza nenhum processo.

Controlar o custo de construção de forma quase obsessiva é uma regra entre as maiores. O fato de os processos serem padronizados na construção de baixa renda facilita essa rigidez no controle. Como não dá para fugir do aumento das despesas gerais e administrativas em fases de expansão acelerada - com o aumento da contratação de pessoal, por exemplo - é na ponta da construção que as empresas buscam o controle necessário para tentar conservar as margens. Para se enquadrar nos preços estipulados pelo governo, todas as empresas - inclusive as que já atuam no mercado popular - reduziram o preço médio dos imóveis, o que impacta diretamente na receita.

"O nome do jogo é execução e controle de custos rígido, se tiver desperdício, pode perder margem", afirma Cássio Audi, diretor de relações com investidores da Rossi Residencial. A empresa, que este ano direcionou mais da metade do seu negócio para a baixa renda, implantou o sistema SAP há dez anos e controla todas as obras em tempo real nas 60 cidades onde atua. "Eu sei quanto custa o pacote de parafuso da minha obra no interior de Manaus", diz Audi.

A restrição do controle de custos passa, obrigatoriamente, pela mão de obra e pelo suprimento de materiais de construção. A falta de profissionais capacitados é considerado um problema sério (veja texto abaixo). Outro gargalo é a matéria-prima. Na avaliação dos especialistas, não deve faltar produto, até porque as empresas fizeram investimentos e aumentaram a capacidade instalada nos últimos anos, mas deve haver pressão nos preços. "O INCC deve ficar entre 1% e 2% acima da inflação em 2010", diz Zeca Grabowsky, presidente da PDG Realty. O acumulado do ano é 2,8%.

Para Marcello Telles, analista do setor imobiliário do Credit Suisse, haverá impacto no preço do aço e do cimento até pela concorrência com o setor de infraestrutura, por conta das obras do PAC, Olimpíadas e Copa do Mundo. Para não ter surpresas, a Rossi fechou um contrato de dois anos com 20% dos fornecedores que representam 80% de todas as compras de materiais. A MRV está fechando contratos de no mínimo um ano com fornecedores.

Uma das vantagens de crescer de forma acelerada está justamente em ganhar força nas negociações. "Com mais escala, da para conseguir melhores acordos com fornecedores", afirma Grabowsky, da PDG que vendeu R$ 1,92 bilhão até o fim de setembro. Para ganhar escala, a companhia optou por aumentar o tamanho dos projetos. Passaram de 250 a 300 unidades para até 500 unidades.

Embora as empresas prefiram elogiar a Caixa Econômica Federal, os analistas são mais céticos e críticos. A capacidade de operacionalização da CEF e, principalmente, a velocidade com que ela conseguirá fazer os repasses de dinheiro para as empresas é um desafio importante para o setor. Por enquanto, a Caixa está na fase de aprovação dos projetos. Para Eduardo Silveira, analista do Fator, o grande teste, porém, será o chamado desligamento do cliente - num segundo momento, quando o financiamento passa da empresa para a CEF. Até o momento, o banco aprovou 105 mil unidades. "A velocidade é baixa, está fraco", observa Zambolin, do Goldman Sachs.

Por último, há as aprovações ambientais e nas prefeituras, que podem ficar mais lentas nas principais cidades. A inflação de terrenos, o maior impacto do boom imobiliário depois das aberturas de capital, não deve se repetir. Pelo menos não da mesma forma. "Há mais terreno disponível na baixa renda do que no alto padrão", diz Telles, do Credit Suisse. Para Wilson Amaral, presidente da Gafisa, as empresas estão mais responsáveis e conscientes da reposição dos terrenos. "Não há mais um processo desorganizado de compra de terrenos".