Título: Brasil ainda não pune crime de lavagem
Autor: Cristine Prestes
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2009, Finanças, p. A3

Representantes do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI) concluíram na sexta-feira uma série de entrevistas com autoridades brasileiras feitas para compor um relatório de avaliação do combate ao crime no Brasil. Ainda que o país tenha avançado em relação a 2003, quando foi feita a última avaliação, um dos principais problemas a serem apontados deverá ser a ausência de punição para a prática de lavagem.

A equipe do GAFI, órgão que reúne 34 países comprometidos com o combate à lavagem de dinheiro, é composta por especialistas da Alemanha, Estados Unidos, Argentina, México e Portugal. Instalado na sede do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o grupo iniciou no dia 27 de outubro entrevistas com autoridades envolvidas no combate à lavagem - como juízes federais das varas especializadas, policiais federais, representantes de órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e de bancos oficiais e privados, como Itaú, Bradesco e HSBC.

De acordo com o presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues, a nova metodologia de avaliação dos países passou a incluir entrevistas para identificar a efetividade das medidas de combate adotadas. Até então, esse trabalho era feito apenas a partir de questionários respondidos pelas autoridades e pela análise das leis e normas existentes. "A metodologia anterior era mais formalista", diz. Rodrigues acredita que o relatório do GAFI apontará avanços no combate à lavagem de dinheiro no Brasil - como a maior regulação de setores visados pelas organizações criminosas -, mas fará também sugestões para a melhoria de alguns itens. Um dos problemas identificados deverá ser a falta de punição por crime de lavagem no Brasil. "Esse é o ponto mais gritante, que não se restringe apenas à lavagem, mas à Justiça como um todo", afirma Rodrigues, argumentando que "nem réu confesso é preso no Brasil".

A primeira instância da Justiça Federal vem aumentando, ao longo dos anos, o número de sentenças proferidas nas varas especializadas em lavagem de dinheiro - são 22 no país. Em 2006 foram 14 condenações, número que passou para 30 em 2007 e para 42 no ano passado, ainda sem os dados de seis varas criminais (veja quadro ao lado). O problema, segundo juízes, é que essa tendência não é seguida pela segunda instância e pelos tribunais superiores: são raros os casos de lavagem de dinheiro julgados de forma definitiva no país. "Há um tratamento leniente das nossas cortes em relação ao crime do colarinho branco", diz o juiz Sérgio Moro, titular da 2ª Vara Criminal da Justiça Federal do Paraná, em Curitiba, especializada em crimes de lavagem de dinheiro. "E isso tem um impacto evidente no combate à lavagem."

Responsável pelo julgamento de vários processos decorrentes das denúncias feitas pelo Ministério Público Federal em torno do esquema de evasão de divisas por meio das contas CC5 do Banestado a partir de 2003, Sérgio Moro contabiliza várias sentenças condenatórias na primeira instância - mas apenas dois doleiros foram condenados de forma definitiva. As denúncias começaram em 2003 e em 2012 alguns dos processos prescrevem, quando os réus não poderão mais ser punidos. "E, em geral, os acusados respondem em liberdade, a não ser nos casos mais graves, como tráfico de drogas", diz.

De acordo com Moro, a quase ausência de condenações definitivas por lavagem de dinheiro é provocada pelo excesso de recursos possíveis, previstos no Código de Processo Penal. "A ação penal tem que proteger também os direitos da sociedade, e não apenas o direito dos acusados", afirma.

As entrevistas feitas pelo grupo de especialistas vão compor uma minuta de avaliação que será apresentada e votada em plenário em uma reunião do GAFI em junho do ano que vem. A última avaliação, feita em 2003 e apresentada em 2004, aprovou a estratégia de combate à lavagem de dinheiro no Brasil.