Título: Projeto sobre TCU pode levar a um maior equilíbrio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2009, Opinião, p. A14

Os conflitos entre o Executivo e o Tribunal de Contas da União (TCU) não são ponto fora da curva. Desde 1988, quando órgãos de controle - como Tribunal de Contas e Ministério Público - passaram a ter de fato funções fiscalizatórias e a Justiça retomou as prerrogativas que dela foram retiradas pela ditadura, os movimentos de acomodação da estrutura institucional do Estado brasileiro tem provocado conflitos. Não raro, poderes e órgãos disputam espaço, às vezes com legítimas intenções, mas não raro com invasões de competências de um pelo outro.

O mais tradicional invasor de competências do Brasil foi o próprio Executivo, hipertrofiado por sucessivos períodos autoritários. O decreto-lei, antes de 1988, permitia que um governantes solitário decidisse tudo: com poucas limitações legais, o presidente poderia enviar um decreto-lei ao Congresso, que passava a ter vigência imediata, e o Legislativo não tinha prerrogativa de alterá-lo, apenas poderia rejeitar ou aprovar o dispositivo legal. Para rejeitá-lo, era preciso quórum qualificado - era o mesmo trabalho de formação de maiorias que o exigido para aprovar uma emenda à Constituição. Se a matéria não fosse votada no prazo, era considerada aprovada por decurso de prazo.

O decreto-lei foi substituído pela medida provisória na Constituinte, mas a MP, ainda assim, manteve poderes para definir, por exemplo, um plano econômico inteiro sem prévia autorização do Congresso. Foi por MP que o então presidente Fernando Collor, em 1990, assinou o Plano Collor, um programa radical que reteve nas mãos dos governo depósitos bancários dos correntistas. Foi por MP que, em 1994, o presidente Itamar Franco fez valer o Plano Real.

Com o avanço da cultura democrática, a MP sofreu mudanças para limitar o poder autocrático do governo. No final do período Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foram aprovadas alterações que, entre outras coisas, derrubaram o decurso de prazo da forma como era - em vez de a matéria ser considerada aprovada automaticamente, ela é rejeitada. Antes disso, passa a obstruir a pauta do Legislativo, como forma de obrigar os parlamentares a apreciá-la. Desde então, está na pauta do Legislativo proposta de uma mudança mais radical no processo de tramitação das medidas provisórias para evitar que o Executivo legisle pelo Congresso.

Entre Executivo e Legislativo, portanto, o jogo de pressões e contrapressões no âmbito político tem cumprido o papel de obrigar a definição institucional de funções. Entre Judiciário e Legislativo, e os três poderes e os órgãos de controle, não ocorre a mesma coisa.

Inúmeros episódios podem ser colocados no mesmo balaio de conflitos. Os decretos-leis e as medidas provisórias que instituíram planos econômicos não foram impostos apenas ao Legislativo. O Judiciário, por exemplo, demorou para tomar medidas que obrigassem a devolução de dinheiro de medidas econômicas sem respaldo constitucional, mas que passaram a vigir a partir da decretação de um decreto-lei ou uma medida provisória. A partir de 1994, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), auto-investido de grande autonomia, começou a mudar normas eleitorais sem que o Congresso houvesse aprovado lei nesse sentido. O Supremo Tribunal Federal (STF), nos últimos anos, tem reiterado as decisões legislativas do TSE e assumido também o seu próprio ativismo.

O exercício de autonomia do Ministério Público Federal e Estaduais, das Procuradorias de Justiça e da Advocacia Geral da União no período posterior à Constituinte foi cheio e atropelos. A exposição dessas instituições e a ação da Justiça - o controle da opinião pública e da Justiça - têm forçado ajustes. O MP, por exemplo, não é mais a mesma força cega. O anteprojeto de lei que está sendo formulado por uma comissão de juristas, sob o Ministério do Planejamento, para definir melhor as funções do Tribunal de Contas e eliminar os pontos de conflito com as funções de governo pode ser uma boa oportunidade para aparar possíveis exageros. Se não houver excessiva partidarização desse debate, ele pode levar a meio termo de manter o poder fiscalizador do TCU sem permitir que, em alguns momentos, vontades individuais se imponham a decisões de políticas públicas, que devem ser tomadas por governos eleitos pelo voto popular e direto.