Título: Biodiversidade estreita cooperação
Autor: Levy , Clayton
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2009, Especial, p. F2

O foco na biodiversidade deverá estreitar as relações entre Brasil e França no campo da Ciência e Tecnologia (C&T). Dois protocolos assinados recentemente estabelecem cooperação já a partir de 2010. Um deles está voltado para o bioma da região amazônica enquanto o segundo permitirá a repatriação de dados genéticos da flora brasileira. Juntos, os investimentos deverão chegar a R$ 25 milhões em três anos.

"A parceria com a França é estratégica para aprofundar futuras interações, não apenas no campo da pesquisa básica, mas também em outras frentes", diz o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Machado Rezende. Segundo ele, apesar de serem parceiros antigos, Brasil e França ainda precisam aprofundar mais a cooperação na área tecnológica. "Esperamos que esses novos acordos e o Ano da França no Brasil promovam isso."

A nova parceria voltada para a Amazônia resulta da visita do presidente Nicolas Sarkozy no fim de 2008. O encontro estabeleceu a criação do Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade da Amazônia (CFBBA), com objetivo de promover projetos conjuntos, transferência de tecnologia e capacitação de recursos humanos no campo da biodiversidade. Em acordo paralelo, foram definidas ações para o desenvolvimento sustentável do bioma amazônico.

"Estes atos marcam mais de 40 anos de cooperação entre os dois países", observa o embaixador da França no Brasil, Antoine Pouillieute, lembrando o acordo bilateral assinado em 1967 para cooperação técnica e científica. Com 8% de sua população economicamente ativa envolvida em atividades de pesquisa e desenvolvimento, a França ocupa a 6ª posição no ranking mundial de publicações científicas e investe a cada ano ¿ 37 bilhões no setor, sendo 62,6% oriundos de financiamentos privados e 37,4% de financiamentos públicos.

Segundo Rezende, o primeiro edital do CFBBA para apoio a pesquisas conjuntas será lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) até 13 de fevereiro de 2010. O investimento total nessa primeira chamada será de ¿ 6 milhões (cerca de R$ 18 milhões), para um período de três anos, quando deverão ser desenvolvidos cerca de dez projetos em parceria com pesquisadores franceses. Cada país aportará ¿1 milhão por ano.

Por enquanto, o Centro funcionará de forma virtual, com suas atividades coordenadas por um conselho binacional e um comitê científico formado por membros dos dois países. Sua primeira chamada deverá apoiar projetos conjuntos com ênfase na região do Amapá e da Guiana Francesa. Segundo o ministro de C&T, embora seja aberto a todas as instituições do Brasil e da França, o edital deverá exigir a interação com instituições da Amazônia. "Com isso nós garantimos uma focalização na região e criamos as condições para estabelecermos um centro físico", explica Rezende.

Um dos locais cogitados para o estabelecimento da futura sede é o Parque Nacional Montanhas do Tucumaque, considerado a maior unidade de conservação de floresta tropical do mundo. Situado no Amapá, com uma pequena porção no Pará, o parque tem uma área de 3,8 milhões de hectares e faz fronteira com as florestas da Guiana Francesa.

Além da criação do CFBBA, a cooperação entre os dois países receberá impulso a partir de um acordo entre o CNPq e o Museu Nacional de História Natural da França. Assinada em outubro, a parceria visa a repatriação de dados genéticos de espécies autóctones da flora brasileira. O convênio permitirá a consolidação de um herbário virtual, onde serão digitalizadas cerca de oito milhões de amostras vegetais guardadas no museu francês, incluindo as coletadas no século 19 pelo botânico Auguste de Saint-Hilaire.

"Grande parte dessas amostras é composta por espécies-tipo, isto é, aquelas que serviram à sua primeira descrição biológica", explica o presidente do CNPq, Marco Antonio Zago. Segundo ele, a digitalização do material contará com a participação de estudantes brasileiros que fazem doutorado e pós-doutorado. Ao mesmo tempo, serão colhidas no Brasil amostras de DNA das mesmas plantas. "Dessa maneira, teremos não apenas a possibilidade das descrições morfológicas, mas também os seus dados moleculares", observa.

O financiamento do projeto será compartilhado entre CNPq, fundações de amparo à pesquisa (FAPs) de âmbito estadual e iniciativa privada. "Estamos acertando os detalhes com os parceiros, mas já temos luz verde de algumas FAPs e da iniciativa privada", garante Zago, que em setembro já havia assinado acordo semelhante com o Kew Gardens, de Londres. A estimativa inicial, segundo ele, é que sejam investidos cerca de US$ 5 milhões (cerca de R$ 10 milhões).

Nos últimos cinco anos, segundo Zago, o CNPq firmou parcerias com a França para o desenvolvimento de aproximadamente 50 projetos, envolvendo cerca de 600 pesquisadores brasileiros e recursos da ordem de R$ 5 milhões. "No passado, tínhamos uma relação de dependência e íamos à França só para aprender; atualmente, porém, já existe uma colaboração mútua, uma vez que o Brasil vem se destacando em diversas áreas, como biocombustíveis", destaca.

Os números da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) confirmam esse quadro. Dos 691 projetos mantidos pela Capes em cooperação com o exterior, 208 têm a França como parceiro. O investimento chega a R$ 4,5 milhões por ano, o que representa 20% do total de parcerias estabelecidas no exterior. Já a Fapesp mantém 31 projetos com a França desde 2000, nos quais já foram investidos R$ 1 milhão. As parcerias envolvem pesquisas nas áreas de saúde, engenharia, tecnologia da informação, sociologia, astronomia, física e veterinária.

Embora as relações para parceria em projetos científicos tenham começado oficialmente em 1967, com o acordo bilateral de cooperação técnica e científica, a ligação entre França e Brasil na área de C&T começou muito antes. A criação da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, na década de 1930, contou com a participação decisiva de cérebros franceses como Claude Lévi-Strauss e Fernand Braudel. De lá para cá, instituições brasileiras de destaque, como o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, têm mantido relações com importantes centros de pesquisa franceses, entre eles o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).

A consolidação dessas relações se reflete a cada ano no crescente intercâmbio de estudantes. O número global de alunos brasileiros que desembarcam na França cresceu 78% nos últimos cinco anos. Em 2008, foram 3.200, mais de 50% deles graças a convênios entre universidades, índice muito superior à média mundial. Normalmente, essas parcerias respondem por 20% do total de estudantes que viajam para o exterior. Do lado europeu, o interesse é mais tímido, mas tem crescido. Em 2008, o Consulado do Brasil em Paris concedeu 666 vistos estudantis. Este ano, até meados de setembro, foram 701.

"Essa diferença mostra uma assimetria nos fluxos de estudantes brasileiros e franceses", observa o adido para Cooperação Científica, Tecnológica e Universitária do Consulado da França em São Paulo, Christophe de Beauvais. Em sua opinião, essa dificuldade tem a ver com o grau de internacionalização das universidades brasileiras. "Não se trata de um problema de nível acadêmico, já que muitas instituições, como a USP, são comparáveis às melhores universidades do hemisfério norte", diz. "O desafio, talvez, seja encontrar uma forma de acolher mais professores e estudantes estrangeiros", pondera.

De acordo com Christophe de Beauvais, no mundo todo há mais de 2,5 milhões de estudantes em mobilidade. "Cada país estabelece muitos programas para recebê-los porque sabe que esse intercâmbio é vital para a ciência", observa. "Se você desenvolve um projeto na França, torna-se um intermediário entre os dois países e reforça o fluxo de cooperação", diz. Por essa razão, as grandes universidades europeias mantêm em seus quadros de 10% a 15% de estrangeiros. Nas melhores universidades brasileiras, porém, esse número não passa de 0,5%. "É muito pouco", conclui.