Título: Para negociadores, desmatamento menor não evita conflitos
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 13/11/2009, Brasil, p. A3

A meta de redução do desmatamento pelo Brasil dificilmente evitará pressões sobre produtos brasileiros e conflitos futuros envolvendo comércio e ambiente, avaliam importantes negociadores na cena comercial. Notam que o grosso das emissões no país é causado por queimadas. Reduzi-las, portanto, não aumenta necessariamente o custo da produção da indústria brasileira e só marginalmente eleva o custo na produção agrícola em novas fronteiras.

O Brasil tem assim uma maneira relativamente barata e simples para cumprir com metas de redução de emissões sem que isso demande uma reestruturação do parque industrial brasileiro. Mas esse argumento costuma ser visto com desconfiança pelo governo brasileiro. Os negociadores do Itamaraty rebatem o raciocínio dizendo que depende do desenvolvimento que se pretende para a Amazônia - e o parâmetro sustentável é novo e ninguém sabe quanto custará. "O que queremos para a Amazônia?", pergunta um negociador brasileiro. "Queremos que os ribeirinhos fiquem para sempre vivendo em moradias modestas e carentes?"

A China e a Índia, os países que mais crescem no mundo, podem reduzir muito suas emissões, não necessariamente na mudança do parque industrial, mas na matriz energética. Se param de queimar carvão, o corte de emissões será enorme.

Nesse cenário em "que ninguéem é trouxa", na expressão de um negociador, é possível que os Estados Unidos, a União Europeia e outros parceiros queiram colocar ênfase em programas de reaparelhamento industrial e não apenas em medidas que impeçam as emissões, numa maneira de "equalizar" os custos.

O sentimento é de que, enquanto os EUA não tiverem a garantia jurídica de que podem aplicar uma "tarifa-carbono" na fronteira, não vai sair acordo internacional significativo para combater a mudança climática. Washington quer ter o direito de impor uma "border tax" (BTA) para sobretaxar o conteúdo em carbono de uma mercadoria importada, no caso desse conteúdo ser maior do que o equivalente americano.

O argumento americano é de que, se assinar o compromisso de redução de emissões, terá de impor regulamento interno para suas indústrias, o que vai aumentar o custo para elas, reduzir sua competitividade e possivelmente gerar mais desemprego.

"Como explicar internamente que permitirei que minha indústria assuma custos adicionais e que as de outros países não?", indaga um negociador. "Isso pode ser o beijo da morte para muitas indústrias americanas e europeias."

Para outro negociador, "quem não tiver uma gordurinha para assumir o custo, vai continuar complicando um compromisso, porque não quer aumentar a carga sobre a empresa dele".

Alguns países contam como certa a introdução da tarifa-carbono. Nesse cenário, o Brasil quer que um acordo multilateral privilegie o cumprimento da meta e não a forma como ela é atingida. Ou seja, se o país cumprir suas metas de redução de emissão, por exemplo através de corte no desmatamento, não pode ser submetido à tarifa-carbono em países que precisam de outras tipos de restruturação industrial para atingir cortes mais ambiciosos.

Se os americanos ou europeus se comprometerem em cortes de emissões de 50%, e o Brasil em 30%, por exemplo, isso significa responsabilidade diferenciada e não se pode tentar harmonizar o compromisso impondo tarifa-carbono nesse caso.

Até agora, oficialmente, os EUA dizem que pretendem impor sobretaxa contra produtos de países que não tiverem compromissos de redução de emissões. Mas o temor parece aumentar entre parceiros sobre o que afinal pode ser de fato implementado.

O Brasil, a China e outros emergentes têm avisado que, se esse tipo de sobretaxa for imposta sem acordo multilateral ou além de compromissos assumidos, abrirão rapidamente denúncia na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, se não houver acordo em Copenhague, o trabalho na entidade do comércio se tornará mais difícil. E alertou que tentar resolver problemas ambientais através de medidas comerciais não funcionará.