Título: Ministros tentam acordo antes de reunião de presidentes
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2009, Brasil, p. A3

Os ministros de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, e da Argentina, Jorge Taiana, tentam, ainda nesta semana, salvar do fracasso o encontro marcado para quarta-feira, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. As barreiras impostas pelos dois governos às trocas comerciais de ambos os países contaminaram a agenda bilateral, e os diplomatas perderam espaço, nas discussões comerciais, para interlocutores mais dispostos ao confrontos entre ministérios ligados à indústria: do Desenvolvimento, no Brasil e da Produção, na Argentina.

Os dois ministros querem fazer uma lista de iniciativas para serem discutidas pelos dois presidentes e anunciadas durante a visita. Amorim avisou a Taiana, porém, que um ponto inegociável é o cumprimento do prazo de 60 dias para liberação das licenças não automáticas de produtos brasileiros importados pelos argentinos. A maior discussão sobre as medidas antidumping de lado a lado também deve constar na pauta.

A persistência dos atrasos na liberação das licenças é atribuída à ministra da Produção, Débora Giorgi. A proposta de retaliar aplicando licenças no Brasil a produtos argentinos foi adotada a pedido do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, após forte irritação de Lula com as repetidas barreiras argentinas a produtos brasileiros.

Débora se queixa de que os produtores brasileiros, beneficiados principalmente pelos mecanismos de financiamento do BNDES, mantém superávit bilionário com a Argentina, atraem investimentos externos e ameaçam o esforço argentino de manter fábricas de certos setores no país, gerando empregos. Ela defende que o o fim do "déficit estrutural" no comércio argentino tem de ser prioridade na agenda com o Brasil.

As ideias da ministra foram tema de conversa entre Taiana e Amorim, que se encontraram no começo da semana, no Rio, numa reunião já programada, inicialmente para falar da "agenda positiva", com temas como o acordo de cooperação em energia nuclear e no setor aeroespacial. As barreiras à entrada de mercadorias nas fronteiras entre os dois países ocuparam, porém, 80% da conversa. Amorim alertou a Taiana que uma eventual insistência em eliminar o "déficit estrutural" impedirá qualquer alternativa de acordo no campo comercial.

Cristina Kirchner, há duas semanas, em visita ao Chile, declarou esperar que a reunião com Lula sirva para resolver o problema das retenções de caminhões argentinos na fronteira. Ontem, a notícia de que o governo brasileiro havia incluído autopeças entre os produtos da lista de licenças não automáticas provocou agitação na Argentina e levou integrantes do governo brasileiro a garantir que esses produtos já constavam da lista desde o princípio, mas com liberação de licenças em 48 horas - não houve, até agora, reclamações de industriais argentinos do setor.

O governo levou aos argentinos a reclamação sobre a falta de sensibilidade política na Casa Rosada, com medidas que afetam a indústria paulista às vésperas de eleições no Brasil. O governo brasileiro moderou reações contra medidas argentinas durante a campanha eleitoral no país vizinho, em que Kirchner tentava ampliar a base de apoio no Congresso argentino, e esse gesto não recebe contrapartida, queixaram-se os brasileiros.

A briga comercial afeta até o fornecimento de batatas fritas para as redes de comida rápida. Nas imediações de Buenos Aires, a fábrica da processadora de alimentos McCain chegou a paralisar a produção nesta semana por causa das travas impostas às importações argentinas, segundo o jornal "El Cronista". Mais de 80% das vendas são de batatas pré-congeladas e o principal mercado é o Brasil, onde a empresa fornece para redes como McDonald´s e Habib´s.

Caminhões que transportavam as batatas da Argentina para o Brasil tiveram problemas na fronteira. Nas últimas duas semanas, os caminhões teriam conseguido transportar o mesmo volume de batatas que costumam entregar em um único dia. Procurada ontem à noite, a filial da McCain no Brasil, onde a empresa de capital canadense não possui fábricas, não deu detalhes. (Colaborou Daniel Rittner, de Buenos Aires)