Título: Raios causaram blecaute, diz governo
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2009, Brasil, p. A4

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, classificou como fortuito o apagão que deixou 40% do país no escuro na noite de terça-feira. Ele comparou o problema à queda de um avião que, apesar de ser um veículo eficiente, pode cair. A causa do que chamou de "acidente do setor elétrico" foi atribuída a fenômenos da natureza. Segundo relatório do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a interrupção da oferta foi causada por uma combinação de descargas atmosféricas, ventos fortes e chuvas nas proximidades da subestação de Tijuco Preto, no município de Itaberá, interior de São Paulo.

Descargas elétricas que incidiram sobre o sistema de transmissão derrubaram em "questão de milissegundos" três linhas de 750 kV administradas pela Furnas Centrais Elétricas, que conectam Itaipu ao Sudeste, segundo Eduardo Barata, diretor de operações do ONS. Se ocorressem em período mais esparso, o Sistema Interligado Nacional (SIN) poderia ter contido seus efeitos, diz. Por conta do evento simultâneo nas linhas, a proteção automática do sistema fez com que, imediatamente, outras duas linhas do mesmo elo fossem desligadas e, a seguir, a interrupção do sistema se espalhou por boa parte do país, em efeito dominó. "O sistema de proteção evitou que outras regiões do Brasil fossem afetadas", segundo nota do ONS.

Ao todo, 28.800 MW médio vieram abaixo a partir das 22 horas e 14 minutos de terça-feira, ou cerca de 46% da carga daquele horário - ou 40% no pico diário. A queda das linhas de transmissão fez interromper a alimentação do SIN dos 14 mil MW médio de Itaipu e, seguidamente, o desligamento de outras usinas fez com que mais da metade da carga brasileira, de 55 mil MW, fosse interrompida. Estimativas indicam que 57 milhões de pessoas ficaram sem luz, mas o governo não confirma o dado.

A interrupção atingiu 18 Estados brasileiros e o Distrito Federal, além do Paraguai, que também é alimentado por Itaipu. No Nordeste, foram abalados 800 MW, no Centro-Oeste, apenas 289 MW e, na região Sul, foram 510 MW. O resto da carga inutilizada era dos Estados do Sudeste, principalmente São Paulo, Rio e Espírito Santo, mais dependentes da energia da usina binacional. Esses foram os Estados que tiveram de esperar mais para o religamento, que levou em média, três horas e meia.

Segundo Lobão, o ONS tem um plano de defesa do sistema elétrico que é atualizado anualmente, que deverá comportar novas contingências após o caso. Mas ele não apresentou garantias ou mesmo expectativa de que o problema volte a ocorrer. Em vez disso, apelou às forças divinas. "Esse é um episódio que, Deus queira, não acontecerá novamente."

Um problema no sistema de transmissão é considerado o de mais difícil contorno por especialistas no setor elétrico. Isso ocorre porque, se uma geradora tem falhas com as turbinas, é possível acionar outras que a compensem em tempo curto, como as termelétricas. No entanto, quando ocorrem problemas na transmissão, mesmo sem haver abalo na geração de energia, não há como enviá-la pelo fio até uma subestação e dali às distribuidoras, sob o risco de sobrecarregar as linhas que permaneceram. Por isso, as termelétricas não foram sequer acionadas. E por isso, também, a queda da transmissão entre Itaipu e o SIN levou ao desligamento de outras usinas, em cascata. As nucleares Angra 1 e 2 também foram desligadas e, com reacionamento mais complicado, foram retomadas só no fim da noite de ontem.

A interrupção da cadeia ocorre porque outras linhas de transmissão, subestações e geradores poderiam ter entrado em curto para fazer frente à falta da energia de Itaipu. Se esses equipamentos fossem danificados, o sistema poderia demorar ainda mais para ser restabelecido.

Apenas na tarde de ontem ocorreu uma reunião extraordinária do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que conta com representantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e o próprio Ministério de Minas e Energia. Também estiveram presentes representantes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Eletrobrás, Furnas e da Secretaria de Saneamento e Energia de São Paulo. Após mais de duas horas, o grupo não apresentou nenhum projeto específico para mitigar riscos futuros similares.

Segundo Barata, providências para mitigação de riscos na transmissão já foram tomadas. A terceira linha que conecta Itaipu ao SIN, das que caíram na noite de terça, por exemplo, foi criada para proteger o sistema de transmissão. Essa terceira linha corre a uma distância de 20 km das outras duas principais ao longo dos 1000 km de sua extensão, até Tijuco Preto. No entanto, ao se aproximarem da subestação elas ficam mais próximas e a "infelicidade" foi o fato de as intempéries climáticas terem ocorrido exatamente nesse local próximo da subestação.

Para minimizar o apagão brasileiro da noite de terça para quarta-feira, Lobão comparou o blecaute com eventos anteriores. Segundo o ministro, no apagão de 1999, 70% do sistema brasileiro foi interrompido por quatro horas e, em 2002, foi 60%. Em ambos os casos, disse, o sistema foi retomado em período maior do que o desta semana. Lobão também lembrou que, em 2003, boa parte da costa leste dos EUA e do Canadá ficou sem luz por até quatro dias e, naquele mesmo ano, a Itália ficou no escuro por 24 horas. "Não há nada mais moderno do que aqui", disse Lobão.

A interrupção ficou dentro das previsões dos contratos de consumidores com as distribuidoras de energia, diz Nelson Hubner, diretor-geral da Aneel. Segundo ele, o sistema não é capaz de eximir qualquer risco de interrupções temporárias, portanto as distribuidoras têm apenas de cumprir condições mínimas. Mas, se empresas ou pessoas físicas que tiveram prejuízos quiserem buscar reparação, deve ser acionada na Justiça a própria distribuidora, que é o elo direto do consumidor com o sistema. Como as distribuidoras não tiveram culpa pelo apagão, elas deverão ressarcir os consumidores - se a Justiça determinar - e depois buscar ressarcimento com transmissora, geradora ou o governo. "Qualquer pessoa ou empresa pode pedir ressarcimento", diz Hubner. (colaborou Azelma Rodrigues)