Título: Com Brasil em alta, Argentina repensa sua posição global
Autor: Moffett, Matt
Fonte: Valor Econômico, 13/11/2009, Internacional, p. A12

O prestígio cada vez maior do Brasil nos assuntos internacionais - realçado pela vitória da candidatura do Rio para sede da Olimpíada de 2016 - está fazendo a vizinha Argentina refletir sobre sua posição menos proeminente no cenário mundial.

Em colunas de opinião, blogs e artigos de pesquisa, os argentinos estão enfrentando, a contragosto, a ideia de que estão ficando para trás do eterno rival, agora que a linha centrista e pragmática do presidente Luiz Inácio Lula da Silva supera o populismo nacionalista da presidente argentina, Cristina Kirchner.

Enquanto o Brasil ganhou a distinção de sediar tanto a Olimpíada de 2016 quanto a Copa do Mundo de 2014, a Argentina está emaranhada em uma série de disputas diplomáticas com seus vizinhos do Cone Sul, e também com os Estados Unidos. E, enquanto no ano passado o Brasil ganhou em Wall Street o cobiçado grau de investimento, a classificação de risco da dívida da Argentina é igual à do Paquistão. Lula, que tem um índice de aprovação de 81%, é um estadista internacional com boas relações com o presidente dos EUA, Barack Obama. Cristina Kirchner, com índice de aprovação de 23%, tem relativamente poucos aliados no exterior, além de Hugo Chávez, o homem forte da Venezuela.

Horacio Pozzo, economista do site financeiro Latinforme.com, escreveu recentemente: "Em uma foto, Lula aparece com a mão nas costas de Cristina, como quem diz: "Venha por este caminho, está dando muito certo para nós"". Mas, escreve Pozzo, "a Argentina continua sem saber em qual direção avançar (...) e continua perdendo mercados internacionais, que estão sendo capturados pela economia brasileira".

O Brasil tem três vezes a área geográfica e quase cinco vezes a população da Argentina. Mas desde 1890 até 1940, em meio a uma fase de prosperidade agrícola nos pampas, a produção econômica argentina superou a brasileira.

Desde meados século passado, porém, a economia argentina vem sofrendo um notável declínio em relação ao resto da região, caindo na "insignificância no contexto internacional", como lamentou um recente artigo do Instituto para o Desenvolvimento Social Argentino, centro de estudos de Buenos Aires. Segundo esse artigo, na maior parte dos últimos 60 anos a Argentina foi prejudicada por um pensamento econômico estatizador e voltado para dentro, do tipo adotado por Cristina Kirchner.

As diferenças entre a política argentina e a brasileira decerto se tornaram mais pronunciadas desde 2001, quando a Argentina declarou a maior moratória da história na sua dívida soberana. O país passou por uma terrível contração econômica em 2002, mas teve forte recuperação com a alta mundial das commodities, com seis anos de crescimento médio de 8%.

Em 2002, o Brasil estava à beira da moratória, mas continuou a pagar sua dívida e agora se tornou um país credor líquido. Mas, desde 2003, a taxa de crescimento brasileira é cerca de metade da argentina. Ainda assim, a estabilidade do clima econômico e político do Brasil tornou o país muito mais preferido ao vizinho, tanto pelos investidores estrangeiros como pelos ministros de Relações Exteriores.

Um punhado de analistas argentinos crê que as virtudes do Brasil estão sendo exageradas. Um dos blogueiros argentinos mais influentes, Lucas Llach, escreveu recentemente um artigo intitulado "Não somos o Brasil: por sorte". Ele notou que a Argentina tem um déficit fiscal menor e um recente crescimento do PIB per capita mais vigoroso que o do Brasil, sem falar em um quinto do número de homicídios. Segundo Llach, a capacidade de marketing de Lula deixou o Brasil na moda entre os mercados emergentes - tal como foi a Argentina há dez anos, pouco antes do colapso de sua economia.

Llach, que nunca poupou críticas a Cristina Kirchner, recebeu mais de 800 comentários relativos ao seu artigo sobre o Brasil, muitos deles afirmando que ele está redondamente enganado.

Na base dos sucessos brasileiros está uma classe política que tem o prestígio de estrelas de cinema e um plantel de figuras políticas muito superior ao da Argentina. Para compreender por quê, é preciso voltar a cerca de 30 anos atrás, à época em que os dois países eram governados por militares. No Brasil, a ditadura foi muito menos implacável, matando cerca de 400 pessoas, em comparação com pelo menos 10 mil, ou talvez muito mais, na Argentina. Tanto Lula como seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, foram perseguidos pelo governo militar, mas conseguiram sair vivos da fase da ditadura.

Na Argentina, muitos jovens politicamente ativos na década de 70, que poderiam ter se tornado líderes com estatura semelhante, não sobreviveram à ditadura. "Não podemos esperar ter uma classe governante de pessoas de 50 a 60 anos quando 30 anos atrás aqueles jovens intelectualmente inquietos podiam sofrer perseguição, morte ou exílio", escreveu Javier González Fraga, executivo e ex-presidente do Banco Central, em artigo de opinião para um jornal.

González Fraga diz que a Argentina deveria parar de se preocupar com o sucesso do Brasil e começar a pegar carona nesses êxitos. Se o Brasil está destinado a ser os EUA da América do Sul, então a Argentina deve se tornar mais semelhante ao Canadá, e não ao México, escreveu ele.