Título: FMI precisa de novas ideias
Autor: Rodrik, Dani
Fonte: Valor Econômico, 13/11/2009, Opiniao, p. A15

É muito difícil reintroduzir algum equilíbrio no debate sobre os fluxos de capitais

Por que o Fundo Monetário Internacional (FMI) torna tão difícil para pessoas como eu gostarem dele?

O FMI disse e fez todas as coisas certas desde a crise. Agiu tão rápido quanto possível dentro da burocracia internacional para estabelecer novas linhas de crédito aos países emergentes assolados. Remodelou as condições de seus empréstimos para adaptar-se aos tempos. Sob o comando de seu competente diretor-gerente, Dominique Strauss-Khan, e notável economista-chefe, Olivier Blanchard, foi, em meio à dissonância, uma voz pela sanidade nos estímulos fiscais mundiais. Para uma instituição que parecia à beira da irrelevância há não muito tempo, é uma transformação e tanto.

Agora, no entanto, Strauss-Khan vem jogando água fria nas propostas de taxar os fluxos internacionais do dinheiro "quente", como são chamados os investimentos especulativos de curto prazo. A ocasião foi a decisão do governo do Brasil de criar imposto de 2% sobre os fluxos de capitais de curto prazo para evitar uma bolha especulativa e mais valorizações em sua moeda. Quando perguntado sobre o papel dos controles de capitais, Strauss-Khan disse não se ater a nenhuma ideologia rígida sobre o assunto. Porém, segundo o "Financial Times", que publicou alguns dos pontos de vista do diretor-gerente, "o FMI tampouco os recomendaria como receita padrão - já que trouxeram custos e normalmente foram ineficazes". Infelizmente, isso faz o novo FMI soar bastante parecido ao antigo.

Controles prudenciais sobre os fluxos de capital fazem muito sentido. Os fluxos de curto prazo não apenas provocam estragos na gestão macroeconômica doméstica, como também agravam as oscilações adversas das taxas de câmbio. Em particular, os fluxos de capital "quente" dificultam que economias financeiramente abertas, como o Brasil, mantenham uma moeda competitiva, privando-as do que, na prática, é a forma mais poderosa imaginável de política industrial.

Sem dúvida, ao enviar sinais contraditórios aos mercados financeiros, os brasileiros podem ter afetado sua tentativa de esfriar os influxos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia refutado as conversas de controles de capitais, apenas poucos dias antes de serem impostos. Para que os esforços de influenciar o nível do câmbio sejam significativos, é preciso determinação para coordenar impostos financeiros e políticas complementares até que mostrem seus efeitos. A timidez é contraprodutiva, porque o tiro sai pela culatra.

Mais importante, no entanto, foi o simbolismo da medida brasileira, pois sugere que os mercados emergentes podem estar superando sua arruinadora paixão cega pelas finanças estrangeiras. Certamente, como os economistas Arvind Subramanian e John Williamson escreveram, os países emergentes merecem a ajuda do FMI para elaborar melhores controles prudenciais sobre os influxos de capital em vez de ser repreendidos.

A resposta de Strauss-Khan, de que os impostos sobre fluxos de capital são custosos e ineficientes é, portanto, desafortunada. Também é emblemática sobre a reação instintiva que frequentemente ofusca os prós e contras dos controles de capitais. Não há problema em opor-se aos controles por acreditar que os mercados financeiros são, em seu total, uma força positiva e que qualquer interferência, portanto, gerará perda de eficiência. Ou opor-se por acreditar que podem ser driblados com facilidade e, logo, estão condenados a continuar ineficazes. O que não se pode fazer é opor-se aos controles por serem tanto custosos como ineficientes.

Pensem a respeito. Se os controles de capitais podem ser evitados com facilidade - digamos, por meio da manipulação do momento das transações ou contabilizando inadequadamente os fluxos de negócios -, então, haverá pouco impacto no volume real de influxos de capital. Os controles imporiam, portanto, poucos custos nos mercados (embora possam envolver algum custo administrativo para o governo). Por outro lado, se os participantes do mercado tiverem custos significativos - seja com os impostos que pagarão ou pelas despesas que terão para driblá-los - os controles restringirão o influxo com eficiência. Caso se tente ver as duas coisas, é provável que se tenha tomado uma decisão antes de realmente pensar bem a respeito.

Pode parecer curioso que os instintos de Strauss-Khan sejam tão fora de propósito sobre a questão dos controles de capitais. Seria de se imaginar que um socialista - e um socialista francês - estaria mais inclinado ao ceticismo financeiro.

O paradoxo, contudo, é mais aparente do que real. Os mercados financeiros, na verdade, devem muito aos socialistas franceses. A opinião geral é que o Tesouro dos Estados Unidos e Wall Street são os responsáveis pelas pressões para liberar as finanças mundiais. Muito mais influente do que isso, no entanto, pode ter sido a mudança de ideia ocorrida entre os socialistas franceses, após o colapso de seu experimento com a reflação keynesiana no início dos anos 80. Quando a fuga de capitais obrigou François Mitterrand a abortar seu programa em 1983, os socialistas franceses deram uma brusca meia-volta e adotaram a liberalização financeira em escala global.

Segundo Rawi Abdelal, da Harvard Business School, tratou-se de um evento-chave, que deu a partida nos acontecimentos que acabariam consagrando a liberdade de movimento do capital como norma mundial. A União Europeia subiu ao trem na primeira parada, no fim dos anos 80, quando dois socialistas franceses - Jacques Delors e Pascal Lamy (respectivamente presidente da Comissão Europeia e seu assistente) - lideraram o caminho. Depois, foi a vez da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por fim, quando sob o comando de Michel Camdessus, outro francês, que havia sido presidente do Banco da França no governo Mitterrand, entrou no vagão.

A reação do FMI ao imposto financeiro do Brasil reflete até que ponto arraigou-se a devoção cega às finanças e como é difícil reintroduzir algum equilíbrio no debate sobre os fluxos de capitais - mesmo na esteira de uma das maiores crises financeiras que o mundo sofreu desde a Grande Depressão. O problema não são apenas os fundamentalistas de mercado de direita. A falha em deixar de ver o previsível estende-se por todo o espectro político.

Referindo-se aos controles de capitais, John Maynard Keynes, disse uma frase memorável: "O que costumava ser heresia (restrições sobre os fluxos de capital), agora, é endossado como ortodoxia". Isso foi na aurora da era Bretton Woods, em 1945. Que ironia é, mais de 60 anos depois, termos de passar pela mesma mudança de mentalidade.

Dani Rodrik, professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, é o primeiro ganhador do Prêmio Albert O. Hirschman, do Social Science Research Council. Seu livro mais recente é "One Economics, Many Recipes: Globalization, Institutions, and Economic Growth" (Uma economia, várias receitas: globalização, instituições e crescimento econômico, em inglês) Copyright: Project Syndicate, 2009. www.project-syndicate.org Podcast em http://media.blubrry.com/ps/media. libsyn.com/media/ps/20091111Rodrik.mp3