Título: Lula, agora, evita comparação com FHC
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2009, Política, p. A12

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou ontem, durante entrevista ao lado do presidente de Israel, Shimon Peres, qualquer semelhança entre o blecaute que atingiu 18 Estados brasileiros por quatro horas na noite de terça-feira com os apagões ocorridos no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Segundo Lula, em 2001, o Brasil não produzia energia suficiente nem tinha linha de transmissão para levar esta energia gerada para o restante do país. "Hoje, nós estamos com o sistema elétrico brasileiro todo interligado. Nesses últimos sete anos, o que nós fizemos de linha de transmissão no Brasil equivale a aproximadamente 30% de tudo o que foi feito em 123 anos", disse o presidente.

A estratégia adotada pelo Planalto durante todo o dia de ontem foi dizer que o apagão de terça-feira foi "conjuntural e não estrutural", minimizando os efeitos políticos negativos e blindando a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, afastando-a das cenas de entrevistas e explicações sobre o apagão. Dilma foi ministra de Minas e Energia entre 2003 e 2005. Já na Casa Civil, ao lançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em janeiro de 2007, escolheu o setor elétrico como um dos principais alvos de recursos públicos e privados. Por várias vezes a ministra afastou a hipótese de ocorrerem apagões no governo Lula. E em julho havia sido alertada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de isto vir a acontecer de novo.

"Isso [o apagão] não tem nada a ver com política do setor elétrico implantado por Dilma quando era ministra de Minas e Energia. Política do setor é decidir que vamos construir mais hidrelétricas, utilizar menos as térmicas, colocar as estatais em parceria com as empresas privadas em licitações como as das Usinas Jirau e Santo Antônio", afirmou um assessor do Palácio. "Isto o governo está fazendo e vai continuar a fazer".

Durante a entrevista de ontem, Lula afirmou que não iria responsabilizar ninguém antes de saber as reais causas do apagão. Mas ao ser avisado, próximo da meia-noite, que quase 60 milhões de pessoas estavam sem luz, o presidente se irritou. Imediatamente, ele ligou para o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, cobrando explicações.

A pressão sobre Lobão foi intensa. Como Dilma acabou indo para casa mais cedo na terça-feira - ela não participou da reunião sobre a partilha dos royalties com o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho -, coube à secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, a tarefa de entrar em contato com o Ministério de Minas e Energia.

O que mais irritou o presidente foi a demora para que o serviço fosse normalizado. Segundo um auxiliar próximo de Lula, o presidente lembrou que "sempre falam a ele que o sistema elétrico brasileiro é o mais seguro do mundo".

Por volta da 1h30, Lobão ligou para Lula no Palácio do Alvorada. Ainda não tinha informações sobre as causas, mas trazia notícias de que a transmissão de energia em alguns Estados começava a se normalizar. Às 7 horas, Lobão ligou novamente para o presidente, dizendo que o problema havia sido equacionado. Segundo fontes do governo, em nenhum momento cogitou-se a convocação de um gabinete de crise, com a presença de Lula, para analisar o apagão. "Isto aconteceria se o ministro Lobão estivesse enfraquecido politicamente para cobrar explicações de seus subordinados".

Durante todo este processo, Dilma foi poupada. Alguns petistas não confirmam, mas admitem que ela pode ter entrado em contato por telefone com Lobão para conversar sobre o assunto. Por ter sido ministra das Minas e Energia durante dois anos e meio, Dilma conhece todo sistema elétrico, principalmente as vulnerabilidades do modelo. Mas a avaliação foi que ela não precisaria monitorar diretamente o episódio para não correr riscos de arranhões na imagem de gestora.

Dilma alterou sua agenda na manhã de ontem. Estava prevista uma reunião com o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique Silveira, e, à tarde, um encontro com o chefe da delegação de investigação econômica e técnica dos projetos do trem de alta velocidade e ferrovias da República Popular da China, Wang Xiaozhou. Os dois encontros ocorreram depois do almoço, no CCBB e Dilma despachou de sua casa durante toda a manhã de ontem.

A Casa Civil admitiu, no início da noite, que recebeu, em julho, um acórdão, de 42 páginas, encaminhado pelo Tribunal de Contas da União alertando para os riscos de uma interrupção no fornecimento de energia no país. No documento, o TCU recomendou "que se verifique a adequação da estrutura dos órgãos ligados ao setor elétrico, inclusive do próprio Ministério de Minas e Energia, para o planejamento, expansão e regulação e desenvolvimento desta área para afastar os riscos de um apagão de energia". A assessoria da Casa Civil descarta o termo apagão, mas confirmou que, em setembro, o documento foi encaminhado ao Ministério do Planejamento (que trata da política de gestão do governo federal) e para o Ministério de Minas e Energia.