Título: A falta de acordo para o clima e a retranca do Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2009, Opinião, p. A12
São remotas as chances de acordo na Conferência do Clima em Copenhague. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, praticamente jogou para frente o calendário das negociações, ao pedir realismo e indicar que há diferenças sérias demais para que possam ser resolvidas até dezembro. O negociador-chefe da Comissão Europeia, Artur Runge-Metzger, foi na mesma linha, deixando a esperança protocolar de um entendimento para o último dia da conferência, 18 de dezembro. Os negociadores agora colocam suas fichas em um acordo-quadro político para as ações contra o aquecimento global. Ele daria o norte para que as questões técnicas e financeira se ordenassem a esse compromisso e fossem fechadas no primeiro semestre de 2010.
O ânimo brasileiro de se comprometer com metas para a redução das emissões parece ter seguido o mesmo diapasão do desenrolar das discussões preparatórias. Na Assembleia Geral da ONU, o presidente Lula se prometeu reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020 e, na ocasião, isso parecia ser um avanço importante em meio a uma série de sinais encorajadores. A China havia saído de sua posição negativista e sinalizado com corte da intensidade de carbono por unidade do produto e a Índia flertava com algum tipo de concessão. O otimismo desvaneceu.
Após uma reunião entre o presidente Lula e vários ministros, a perspectiva de apresentar algo a mais além da redução do desmatamento, proposta pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, perdeu força. Ela cedeu lugar ao realismo diplomático, que prefere, como em negociações internacionais corriqueiras, que todos os participantes mostrem suas intenções para que o Brasil não se comprometa unilateralmente com objetivos maiores que os necessários. Essa posição parece casar melhor com o recuo nos ânimos dos principais atores da Conferência do Clima. Com as chances de um acordo à vista, a atitude brasileira poderia ser mais ousada. Agora, acha isso inconveniente.
Todos os compromissos potenciais em torno de Copenhague continuam desamarrados. Os EUA não poderão ir muito longe em qualquer acordo, porque o Senado não votou a lei ambiental do presidente Barack Obama, e não o fará antes da conferência. E, na melhor das hipóteses, o segundo maior emissor de gases-estufa do planeta, pela legislação em discussão, se comprometerá a cortar no máximo 20% das emissões de carbono. Os EUA chegarão assim em 2020 sem cortar nada em relação ao que emitia em 1990, a data-base para as reduções acertadas no Protocolo de Kyoto, que os EUA não ratificaram. UE e Japão aceitaram reduções de 20% e 25% respectivamente, mas gostariam de ver promessas maiores dos países emergentes que contam, como China, Índia e Brasil. Eles precisariam apresentar metas "mensuráveis" compatíveis.
O recuo brasileiro, segundo se infere das declarações do presidente Lula, é uma forma de buscar acertos com Índia e China para pressionar os países desenvolvidos a elevar seus compromissos, que não se restringem ao corte das emissões, mas também à transferência de tecnologia e de recursos para que os demais países possam mitigar os efeitos do aquecimento e agir para contê-los.
O Brasil tem chances de fazer a diferença, porque tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, corrompida pelo selvagem desmatamento. O governo Lula dá prioridade ao crescimento e vários ministros não receberam com bons olhos propostas factíveis e importantes do Meio Ambiente, como a redução adicional de 20% das emissões por meio da recuperação de 10% das áreas de pastagem degradadas, integração de lavoura-pecuária, plantio direto em 40 milhões de hectares, entre outras. Há no ar a chance de que o país cresça 6% ao ano daqui para a frente e as metas de corte de CO2 seriam um estorvo, além de ferir suscetibilidades da bancada ruralista em ano eleitoral. Para efeitos práticos, as metas domésticas são igualmente vitais, pois indicam que o Brasil toma as atitudes necessárias para melhorar o futuro de seus cidadãos e, com isso, também do planeta. O recuo no plano internacional externo parece ser, agora, a outra face do recuo interno. Com ou sem Copenhague, o governo pode fazer mais e melhor do que tem feito.