Título: Brasil volta a emitir em reais no mercado externo
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2009, Especial, p. F2

O Brasil vai voltar a emitir títulos denominados em reais no mercado internacional. Além disso, o governo avalia a possibilidade de autorizar investidores estrangeiros a depositar, fora do país, as garantias para operações na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). As duas medidas visam, segundo informou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a diminuir a entrada de dólares no país e, assim, a valorização do real frente ao dólar.

Em entrevista ao Valor, Mantega mencionou estudo do banco americano Goldman Sachs, segundo o qual a taxa de câmbio de equilíbrio da economia brasileira deveria ser hoje de R$ 2,60. O ministro esclareceu que não "subscreve" esse valor porque o governo não fixa taxa de câmbio, mas afirmou que, se a estimativa estiver correta, o real está sobrevalorizado em 50% tanto em relação ao dólar americano quanto ao yuan chinês. "Se estivéssemos com o câmbio correto, nenhum produto chinês seria competitivo no Brasil. Veja que potência o país seria se não tivéssemos essa valorização", disse.

Para tentar diminuir a valorização do real, o Tesouro Nacional lançará papéis em reais no exterior, livres, portanto, da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Como os títulos serão comprados fora do país, os dólares irão diretamente para as reservas, sem ingressar no mercado brasileiro. O ministro informou que o Tesouro escolherá o melhor momento para fazer as primeiras captações. "Temos que escolher um momento em que a taxa de juros seja favorável. As empresas brasileiras já estão captando com taxas mais baixas", observou.

A taxa de juros desses papéis a serem lançados pelo Tesouro será bem inferior à Selic, que está em 8,75% ao ano e remunera títulos da dívida interna. Vai refletir as taxas embutidas em papéis do tesouro americano, acrescidas do risco-país (que está em torno de 228 pontos básicos ou 2,28%) e de algum spread. O ministro Mantega acha que, dada a confiança dos investidores internacionais no Brasil, as taxas vão cair ainda mais, criando oportunidade para uma primeira emissão no exterior.

"Estamos em busca de taxas menores. O mercado está ansioso por ter oportunidades, então, não vejo nenhuma dificuldade numa emissão em reais", disse ele, acrescentando que o lançamento desses papéis ajudará a transformar o real numa moeda de curso internacional.

Outra forma de segurar no exterior dólares destinados ao Brasil é permitir que os investidores depositem, fora do país, as garantias de operações no mercado futuro. Hoje, segundo Mantega, há US$ 8,5 bilhões depositados em garantia de investimentos na BM&F. "Os que já entraram ficam dentro, não se mexe. A mudança seria para o fluxo e não para o estoque."

A medida depende de uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), mas, segundo reconheceu o ministro, há uma dificuldade a ser superada: o acesso às garantias. Isso depende da legislação de cada país. "Ao deixar o recurso lá fora, precisamos ver se teremos acesso às garantias como temos aqui. Outra coisa é o que fazer quando há oscilações do câmbio porque, no Brasil, o dólar é convertido em reais. No exterior, se o dólar se desvalorizar, há um descasamento e, aí, é preciso pedir uma nova margem de garantia", explicou.

Uma terceira medida para conter a desvalorização do dólar é o uso do Fundo Soberano do Brasil (FSB) para intervir no mercado, comprando dólares, como faz hoje o Banco Central. "O FSB pode adquirir volumes ilimitados de dólares. O limite não são os recursos do superávit primário depositados lá (cerca de R$ 15 bilhões)", informou o ministro, explicando que, além dos recursos fiscais, o fundo teria recursos financeiros. "Ele tem o mesmo funding do BC porque quem dá funding ao BC para que ele compre dólares é o Tesouro."

Apesar dessa possibilidade, o ministro prefere que o BC siga fazendo as compras de dólar. "Se necessário for, poderemos utilizar esse mecanismo", avisou. Outras medidas para conter a alta do real, como a autorização de abertura de contas em dólar em bancos brasileiros, estão descartadas. "Não tenho simpatia por isso. Nem o BC."

Mantega culpa a China, que mantém sua moeda artificialmente desvalorizada, e os Estados Unidos, que praticam juros historicamente baixos, gerando grande liquidez no mercado internacional, pela apreciação de moedas como a brasileira e a australiana. "Você se mata para dar competitividade às empresas, mas depois morre na praia porque tem um país que tem um câmbio artificial e, assim, tem uma vantagem comparativa de 30% a 40% no câmbio. A produtividade dele é menor que a sua, no entanto, a mercadoria dele fica mais barata por causa do câmbio. Isso não é tolerável e nós não vamos permitir", afirmou. "Não podemos conviver com esse desequilíbrio. A China e os EUA criaram o problema. Ou eles mudam ou mudamos os outros também."