Título: País tira fantasia tropical e ganha a cena
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2009, Especial, p. A7

O Brasil sempre teve - mesmo nos momentos econômicos e políticos mais difíceis - sua imagem associada ao país tropical, do samba e do futebol. Essa visão antiga, de nação mítica e alegre, está sendo renovada e enriquecida. O país ganhou maior protagonismo e influência no exterior, e habilitou-se a ser um ator de peso na cena internacional em fóruns como o G-20 financeiro, que reúne as grandes economias desenvolvidas e emergentes.

A nova posição brasileira é resultado de mudanças realizadas ao longo das duas últimas décadas que permitiram dar estabilidade e credibilidade à economia doméstica. O país também contou com um cenário externo favorável nos últimos anos, marcado pela expansão estrutural da demanda por commodities da China. A combinação desses elementos ajudou a lançá-lo em um "círculo virtuoso".

A estabilidade econômica, que permitiu controlar a inflação, uma das maiores conquistas nos últimos 15 anos - desde o lançamento do Plano Real, em 1994 -, contou para essa transformação. O amadurecimento da democracia e a capacidade de superar dificuldades externas, como ficou provado na recente crise financeira global, também contribuíram para o Brasil ganhar maior relevância externa. Ficou clara uma capacidade de superar vulnerabilidades externas, que em outras épocas afetaram o crescimento sustentado da economia.

A redução da vulnerabilidade se deveu, em parte, à melhoria dos fundamentos e do manejo da economia, com ajuste nas contas externas e acumulação de reservas. Em setembro, a Moody"s elevou o rating de dívida do Brasil para grau de investimento. Outras agências de classificação de risco já haviam dado ao Brasil avaliação semelhante, o que reforçou a posição do país como destino confiável para investir. Nos doze meses encerrados em agosto de 2009, o fluxo do Investimento Estrangeiro Direto (IED) no Brasil totalizou US$ 36,3 bilhões. Em 2008, o país recebeu US$ 45 bilhões em IED.

No front externo, houve um "boom" exportador que também ajudou o país. Em 2008, o Brasil exportou US$ 197,9 bilhões, com crescimento de mais de 300% em relação aos US$ 48 bilhões exportados dez anos antes. A participação relativa do Brasil nas exportações mundiais, porém, evoluiu pouco: de 0,86% em 1999 para 1,25% no ano passado. Outro aspecto a ser considerado é que hoje os fluxos comerciais Sul-Sul tendem a ganhar importância, para os países emergentes, do que as transações com os países desenvolvidos. O Brasil faz cada vez mais comércio com a Ásia, por exemplo.

Paralelamente, as empresas brasileiras intensificaram um movimento de internacionalização por meio de aquisições, associações e abertura de filiais no exterior. O crescimento das multinacionais verde-amarelas ajudou a reforçar a imagem do Brasil fora do país. "É como se os deuses estivessem olhando o Brasil este ano, há um alinhamento de estrelas", diz Javier Santiso, diretor do centro de desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris.

O "alinhamento" citado por Santiso não é um exercício de astronomia, mas resultado de fatos concretos. Além do "investment grade", outros elementos comprovam a boa fase do Brasil. Em outubro, o Rio ganhou o direito de receber a Olimpíada de 2016 (o país já vai ser sede da Copa do Mundo de 2014). Na área econômica, o Brasil saiu rapidamente da recessão, os preços das commodities, que sustentam boa parte das exportações, estão se recuperando e a Petrobras, a maior empresa do país, vem anunciando a existência de jazidas que podem tornar o Brasil grande exportador de petróleo.

Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Mundial (Bird), afirma que a abundância de recursos naturais pode ser uma benção ou uma maldição. "Otimista como sou, acho que vamos caminhar para o lado da benção", diz. Ele avalia que os resultados obtidos pelo Brasil na redução da pobreza também têm sido fundamentais para seu atual prestígio no exterior.

Como desafios futuros, Canuto entende que é preciso assegurar que o gasto público seja eficaz, tanto para fomentar o crescimento como para reduzir mais a pobreza. Também fica claro que o papel de protagonismo do Brasil no mundo tem um preço. "O Brasil nesse quadro global não pode mais operar como país que tem só direitos. Tem que ter habilidade para que os seus interesses sejam parte dos interesses globais ou dos pacotes negociados", diz Canuto.

Santiso, da OCDE, considera que há um pragmatismo de política econômica no Brasil. O centro de desenvolvimento da organização conta em seu conselho com 39 países, metade deles emergentes, entre os quais o Brasil. Para Santiso, o mundo tem cada vez menos centro e menos periferia. E nesse novo espaço em transição países como Brasil, China e Índia estão se convertendo em atores e motores da globalização. A China deve crescer cerca de 8% este ano e a Índia, 6%. O Brasil vai crescer bem abaixo disso, mas a médio prazo as projeções são otimistas.

As últimas estimativas de mercado indicam que a economia brasileira deve crescer 0,18% este ano e 4,8% em 2010. A médio prazo o cenário é favorável. O BNDES trabalha no seu planejamento com um crescimento médio de 5% ao ano até 2014, com grande fluxo de capitais para o país, diz João Carlos Ferraz, diretor de planejamento da instituição. Para transformar-se em potência econômica, o caminho é longo e tortuoso, reconhece Ferraz. E completa: "A parte sinuosa foi trilhada e a trajetória, apesar de longa, está dada". Ele considera que a vantagem do Brasil é ter uma economia sofisticada, com instituições desenvolvidas e um sistema político definido.

Rubens Barbosa, consultor de negócios e ex-embaixador do Brasil nos EUA - hoje um crítico da política externa brasileira - considera que o papel de destaque ocupado pelo Brasil no exterior deve-se, sobretudo, a três fatores: a estabilidade econômica, o fato de o mercado financeiro ver no país a possibilidade de grandes lucros (em função do juro real brasileiro ainda ser um dos maiores do mundo) e o ativismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula deu continuidade, à sua maneira, à diplomacia presidencial iniciada pelo seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, avalia Barbosa.

O Brasil também aumentou sua influência nas discussões sobre mudanças climáticas e sobre o uso de combustíveis renováveis, tema que passa pela exportação de etanol, além de ter sido um ator importante nas negociações agrícolas no âmbito da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), que estão paralisadas.

Embora o Brasil tenha mudado, relatório recente sobre a economia na América Latina, produzido pelo centro de desenvolvimento da OCDE, considera que os países da região têm que gastar de forma mais eficiente e equitativa em áreas como educação, saúde e infraestrutura para que os benefícios cheguem às populações mais humildes.

Na área de infraestrutura, Roberto Vellutini, vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entende que a estabilização abriu espaço para a volta dos investimentos. O BID tem 25 projetos em andamento no Brasil, ou US$ 2,2 bilhões, quase 40% do valor total de investimentos no país.