Título: Diplomacia brasileira prioriza América Latina
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2009, Especial, p. F9

A América do Sul vai ser o principal teatro de operações da diplomacia brasileira no século XXI. " Será ali que os conflitos surgirão. Haverá muita atividade diplomática (para o Brasil) nos países sul-americanos " , prevê o embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Fonte do governo na área externa concorda que a região é o ponto de partida para a diplomacia brasileira.

Para Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Mundial (Bird), vai aumentar a importância relativa do Brasil como eixo de crescimento para a região. " O Brasil vai ser um polo absorvedor de importações dos vizinhos " , diz Canuto. Segundo a fonte governamental, historicamente o Brasil foi um país insular (isolado), posição que mudou com o Mercosul e com a internacionalização das empresas brasileiras. Citou o aumento dos financiamentos do BNDES, o banco estatal de desenvolvimento, para financiar projetos de infraestrutura na região, os quais envolvem a exportação de bens e serviços brasileiros, como um exemplo do aumento da influência do país.

Gonçalves, do Cebri, faz uma avaliação crítica da política externa brasileira no governo Lula. Ele entende que tem havido confusão entre os interesses do Partido dos Trabalhadores e os do Estado. E avalia que é ruim ter mais de um executor da política externa - o chanceler Celso Amorim e o assessor especial para assuntos internacionais do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia.

Para o interlocutor do governo, essa avaliação parte do pressuposto de que, em função de uma afinidade ideológica com governos de países da região (Venezuela, Bolívia e Equador), o Brasil teria deixado de defender com mais firmeza os interesses nacionais. " A visão de longo prazo da política externa brasileira é reconhecer que, se o país não tiver grandeza, não haverá integração " , diz a fonte.

O presidente do Cebri vê bons e maus exemplos na diplomacia brasileira na região. A missão de Paz da ONU no Haiti, liderada pelo Brasil, é positiva para a imagem do país. Já no episódio da deposição do presidente de Honduras, Manuel Zelaya, criou-se uma situação inconveniente, diz Gonçalves. Ele afirma que o asilo é uma tradição humanitária na América Latina. Mas no caso de Honduras não se seguiu essa norma e Zelaya usou a embaixada do Brasil como palanque político.

O ex-embaixador do Brasil na França Marcos Azambuja, vice-presidente do Cebri, considera que o Brasil foi envolvido de maneira imprudente na crise política hondurenha, e criou-se uma situação constrangedora. Na visão de Azambuja, existe a percepção de que hoje nada pode ser feito na América Latina sem que o Brasil esteja presente. O problema, segundo ele, é que o Brasil não mostra disposição para fazer investimentos em programas de assistência e ajuda. " O Brasil não tem política de busca deliberada de liderança. Ele espera ser líder naturalmente pelo seu tamanho " , diz. O diplomata afirma, porém, que o Brasil considera que sua posição na conjuntura internacional não tem correspondência com a massa crítica do país. Em outras palavras, o status do Brasil no mundo devia ser maior do que é.

Azambuja avalia ainda que não há condições de reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, garantindo uma cadeira permanente ao Brasil nesse fórum. "A candidatura (do Brasil) gera uma reação dos vizinhos que paralisa o jogo", referindo-se a uma potencial oposição de Argentina e México à pretensão brasileira. Candidatos de outras regiões enfrentariam resistências semelhantes de seus vizinhos. " Minha convicção é de que o Brasil terá mais espaço no que chamo de diretórios do poder (OCDE, G-8, G-20 e Brics) " , diz.