Título: Cenário para 2010 sinaliza acordos comerciais restritos
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Fonte: Valor Econômico, 06/11/2009, Especial, p. F10

As perspectivas para o Brasil fechar acordos comerciais em 2010 são modestas, mas não nulas. O país pode esperar avanços num "acordo Sul-Sul" entre 22 paises emergentes e também em negociações bilaterais, mais do que na combalida Rodada Doha de liberalização global.

Em todo caso, é preciso levar em conta duas questões. Primeiro, 2010 é ano de eleição presidencial no país e a capacidade de se engajar em barganhas finais diminui. Comércio internacional raramente ajuda eleitoralmente. Em contrapartida, pode tirar votos, se a abertura de mercado for associada a perda de empregos.

A segunda questão é mais permanente: o Brasil tem grandes dificuldades para obter negociações equilibradas, já que os parceiros sempre querem tirar a abertura agrícola das barganhas. Essa situação causada pela enorme competitividade da agricultura brasileira aparece em todas as negociações. O país Brasil provoca pavor na area agrícola, da mesma forma que a China na área industrial.

De toda maneira, onde há mais clareza de avanço é no "acordo Sul-Sul" para cortar entre 20% e 30% as tarifas entre os participantes, que estão entre as economias que mais crescem.

A negociação, lançada em 2006 em São Paulo, ocorre através do Sistema Global de Preferências Comerciais (SGPC), mecanismo da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), que prevê troca de concessões tarifárias entre países em desenvolvimento.

Participam 22 países, incluindo grandes mercados em expansão como a Índia, Coreia do Sul, Indonésia, Filipinas, África do Sul, Argentina. A China está fora, para alívio dos que temem a concorrência de seus produtos industriais baratos.

O tamanho do corte tarifário em negociação é bem inferior aos 50% defendidos inicialmente pelo Mercosul, que teve de baixar sua ambição para tentar um entendimento. Mas é suficiente para garantir vantagem competitiva em mercados em expansão.

Assim, se um produto dos EUA ou da UE entrar na Índia com tarifa normal de 10%, o mesmo produto exportado pelo Brasil pagará alíquota menor, de 7% ou 8%.

A negociação poderá fechar com os paises sendo capaz de excluir 30% de suas tarifas de qualquer corte, por pressão da Índia e da Coreia do Sul que temem serem inundados de produtos agrícolas originários do Brasil. Mas uma cobertura de 70% do universo tarifário não é desprezível.

A Unctad avalia que uma redução de 20% nas alíquotas dos países participantes resultará em comércio adicional de US$ 7,7 bilhões por ano. Como os americanos costumam repetir, 50% do crescimento mundial virá de paises como China, Índia, Brasil, África do Sul e do do sudeste asiático, mercados que podem ser mais explorados e não dá para ignorar.

"Os paises pararam um pouco (na negociação Sul-Sul) porque colocavam gás na Rodada Doha, mas visto a situação atual (na OMC) tendem a retomar com força aquela negociação", diz o embaixador brasileiro junto a Organização Mundial do Comércio, Roberto Azevedo.

O Brasil jogou a maior parte de suas fichas na Rodada Doha, a negociação global de liberalização agrícola, industrial e de serviços entre os 153 países da OMC. Mas a rodada já dura oito anos. Um esboço de acordo que está na mesa de negociações resultaria em um corte de 50% nas tarifas industriais, redução de 70% a 80% nos subsídios agrícolas dos países ricos e baixa de até 70% nas tarifas agrícolas, segundo o diretor da OMC, Pascal Lamy.

Os líderes do G-20, reunindo as principais economias desenvolvidas e emergentes, concordaram em concluir Doha em 2010. Mas isso vai depender muito dos EUA, que está bloqueando tudo, exigindo demais na area industrial e recuando nas concessões agrícolas, irritando boa parte dos parceiros.

Certos negociadores acham que até março ou abril de 2010, se a questão do plano de saúde for resolvida, Washington vai poder atuar na área comercial. Mas esta é uma grande interrogação. A administração Obama pode também esperar as eleições legislativas do fim de 2010 e empurrar tudo para 2011.

Eleição tem sempre impacto em negociação comercial. O exemplo maior é a India, que até as eleições gerais deste ano não negociava nada e após o pleito ficou mais liberal do que os EUA.

O sentimento em Genebra é de que os EUA só voltarão à mesa de negociações com muita pressão global. Porém, um peso pesado como a China, também não está negociando nada.

Crescem as incógnitas para o Brasil, mesmo se o impasse em Doha for quebrado. Exemplo: a abertura para o etanol brasileiro é um assunto que está evoluindo. O que era possivel e politicamente vendável no ano passado talvez agora não seja mais para os parceiros. Na União Europeia, existe o questionamento sobre se o etanol brasileiro é bom, ajuda o meio-ambiente ou não. O que era apresentado no ano passado como uma vantagem, agora fica mais complicado com o debate sobre segurança alimentar, emissões de carbono, desmatamento da floresta, uso indireto da terra.

Também uma barganha entre Brasil e EUA está praticamente desfeita. A ideia era que Washington considerasse o produto brasileiro como etanol de segunda geração, e portanto bom para o meio ambiente. O produto teria cota e escaparia de uma sobretaxa. Mas agora os EUA consideram o etanol brasileiro equivalente ao de milho, tão poluente e ruim quanto o etanol americano. Um acordo viável em Doha no ano passado ficou mais complexo, e a negociação de acordo do clima em Copenhague em dezembro embola ainda mais o jogo na rodada comercial.

Os mercados que mais interessam ao setor privado são os Estados Unidos e a União Europeia. O incentivo para os dois elefantes do comércio mundial fazerem acordo com o Brasil sempre foi, além do ganho de mercado, o fato de um não perder a preferência para o outro. Ou seja, o acordo de um com o Mercosul incentiva o outro a fazer o mesmo. Os europeus procuraram acelerar bastante a negociação com o Mercosul quando a negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) parecia que ia avançar. No momento em que a Alca desapareceu, os europeus tiraram o pé do acelerador. Com o fiasco na Rodada Doha, eles se desestimularam duplamente, porque tinham de fazer concessões agrícolas duas vezes, uma na rodada global e outra na negociação birregional.

Agora, a UE tomou a iniciativa de chamar o Mercosul para voltar à mesa de negociação, esta semana em Lisboa, após cinco anos de impasse. Vão examinar até que ponto seria possivel um acordo de livre comércio em 2010. Mas poucos creem em avanços.

O fato é que o comércio agrícola da UE com o Brasil está deixando de ser "comércio administrado". Bruxelas não consegue mais controlar as exportações brasileiras com cotas tarifárias (limitando a quantidade). No setor de carne bovina, até dois anos atrás o Brasil estava exportando inclusive fora da cota, pagando tarifa que em tese era para ser proibitiva. Só com o problema sanitário é que houve uma freada. Depois da Rodada Doha e eventualmente de um acordo birregional, o comércio ficará imprevisível.

A saída de Bruxelas tem sido impor um regulamento atrás de outro para frear os produtos brasileiros. No caso de frango salgado, como o país cumpriu todos os regulamentos, a UE agora planeja aumentar a tarifa, mesmo tendo de pagar compensação com uma cota (com alíquota menor).

Com relação aos EUA, o Itamaraty vê "espaço" no futuro para negociação bilateral que não seja tão abrangente como a Alca (que incluía propriedade intelectual, serviços, etc), e mais focada em comércio. Mas negociadores notam que na Alca o Brasil propôs até a liberalização de 100% do universo tarifário, portanto sem exclusão de qualquer produto. Os EUA recusaram porque queriam manter barreiras para a entrada de suco de laranja, açúcar, siderúrgicos, calçados, embora as tarifas deles sejam baixas.

Em negociações bilaterais, Brasília vê chances de acordo com o México em 2010. Esse país tem acordo - quadro de comércio com o Mercosul, e é somente com ele que os sócios do bloco podem negociar individualmente pactos para eliminação total de tarifas de importação. O México foi definido como prioridade comercial pelas associações de exportadores brasileiros, que o julgam um dos mercados mais promissores e querem ampliar os acordos existentes, de redução tarifária, restritos ao setor automotivo e mais 800 produtos.

O México é o sexto maior importador de alimentos do mundo e o governo brasileiro constatou interesse dos produtores de suínos e lácteos em entrar nesse mercado. Só que os mexicanos já avisaram ao Brasil que não querem liberalizar seu mercado agricola.

Outro trilho comercial são as negociações do Mercosul. Em 2010, um objetivo do Brasil é ampliar o número de produtos cobertos no acordo com a South African Customs Union (SACU), união aduaneira formada pela África do Sul, Namíbia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia. Atualmente, são cobertos mil produtos, excluindo totalmente o setor automotivo por causa da defensiva da SACU.

No acordo Mercosul-Índia, o objetivo é tambem ampliar a cobertura, atualmente limitada a 450 linhas tarifárias, excluindo muitos produtos agrícolas de interesse brasileiro.

Além disso, o Mercosul continuará a negociar com Marrocos, Egito, Jordânia e Turquia. O acordo com Israel ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos.