Título: Depois de briga interna, distribuição reage à Aneel
Autor: Goulart , Josette
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2009, Brasil, p. A6

A briga em torno da falha na metodologia de cálculo das tarifas de energia elétrica e a ação desordenada dos presidentes das empresas de distribuição de energia enfraqueceram o setor e levaram a uma forte divisão na representação da atividade. Para tentar recompor a imagem, reconstruir a Associação das Distribuidoras de Energia (Abradee) e principalmente defender o interesse de seus acionistas, os presidentes dessas companhias tentam, agora de forma organizada, derrubar a proposta da Aneel de alterar os contratos de concessão. Alegam que as empresas que presidem vão perder o equilíbrio e afetar todo o setor elétrico.

A agência propôs a medida para tentar corrigir uma falha na metodologia do cálculo das tarifas, que gerou um ganho estimado na casa dos bilhões nas receitas da maioria das 64 distribuidoras ao longo dos últimos cinco anos. O que as distribuidoras querem colocar na pauta da discussão e na conta a ser feita sobre a questão do equilíbrio dos contratos são os riscos que hoje assumem. Elas listam alguns, como a diferença na contabilização da inadimplência da parcela que não é reconhecida pela Aneel, as perdas de energia, o custo de pagar encargos do sistema antecipadamente, as penalidades por não estarem 100% contratadas e até mesmo causas trabalhistas, que não são reconhecidas como custos nas tarifas estabelecidas pela Aneel. "Querem voltar ao sistema de preço por custo e esquecem que o consumidor pagou US$ 26 bilhões na década de 90 para acabar com esse sistema", diz o presidente de uma dessas empresas.

A tentativa de restabelecer a Abradee, contudo, não vai apagar as marcas da crise vivida pela entidade, que culminou com a renúncia do cargo de presidente do conselho feita por Firmino Sampaio - presidente do conselho da Equatorial e que foi presidente da Eletrobrás. Apesar da grande interlocução que Sampaio tem no governo, foi jogado para escanteio pelo que ficou conhecido como o grupo dos seis, formado por AES, CPFL, EDP, Elektro, Light e Neoenergia.

O primeiro sintoma de que algo não estava indo bem entre os associados da entidade pôde ser percebido quando a associação resolveu se calar, mesmo diante de um fogo cruzado de questionamentos em torno das tarifas. Afinal, a entidade representa privadas, estatais, grandes e pequenas distribuidoras, com diferentes interesses. Mas foi na sessão em que os presidentes de algumas distribuidoras estavam sendo ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das tarifas - diante de uma forte pressão, com ameaça de prisão - que alguns presidentes declararam que a Aneel é que era responsável pelo cálculo das tarifas e que se houvesse algum erro, seria de sua responsabilidade corrigir.

Anna Carolina Negri/Valor Wilson Ferreira Júnior, da CPFL, deve ser o novo presidente do conselho

O presidente da Cemig, Djalma Bastos, chegou a declarar que concordava que a receita auferida com a chamada gordura da parcela A das tarifas fosse devolvida ao consumidor. Já o presidente da Neoenergia, Marcelo Côrrea, fez um depoimento considerado dúbio e no qual transpareceu que de fato as distribuidoras tinham a intenção de resolver a questão. "Os presidentes das distribuidoras surtaram e rasgaram dinheiro de seus acionistas durante essa CPI", diz uma fonte que acompanhou de perto o processo. "Cada um agiu por si. Um grupo foi para o Ministério, outro para Aneel. E nessa ação desorganizada cometeram o erro, no meio do caminho, de responsabilizar a agência."

No início da semana seguinte àquela dos depoimentos na CPI, a Aneel já tinha sua estratégia pronta. Com a declaração de alguns presidentes de que tudo dependia da Aneel, a agência então propôs alterar os contratos. Na véspera da convocação da reunião extraordinária da diretoria colegiada para discutir a proposta, parte do grupo dos 6 foi ao gabinete do ministro Edison Lobão. Foram deixando Sampaio de fora da jogada, que decidiu então renunciar o cargo que ocupava na Abradee .

Sem Sampaio na presidência do conselho, boa parte dos 17 presidentes de distribuidoras que formam a Abradee deverá indicar hoje o nome de Wilson Ferreira Júnior, que é o principal executivo da CPFL, para o posto aberto. Fontes contam que também é dada como certa a saída do atual presidente da Abradee, Luiz Carlos Guimarães, pois headhunters já sondam o mercado em busca de um novo executivo para o cargo. O próximo passo é levar a sede para Brasília.

Nesta ação coordenada, a estratégia é ainda a de que a Abradee volte a falar em nome do setor. Outro ponto fundamental é uniformizar o discurso e já se fala que a alteração dos contratos precisa ser aprovada por todas as distribuidoras. Assim impediria que empresas isoladamente renegociassem seus contratos. Outra ação que já é percebida é a de que os discursos feitos sob pressão na CPI mudaram. Nesta semana, o diretor da Cemig, Luiz Fernando Rolla, durante teleconferência de resultados deixou claro que a empresa só vai alterar seu contrato por determinação da Aneel, segundo um analista.