Título: Países ricos terão uma queda permanente no consumo, diz a OMC
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2009, Internacional, p. A9

A demanda dos países industrializados sofrerá uma forte queda permanente, de centenas de bilhões de dólares, em consequência da dramática crise global. Mas o crescimento das economias de Brasil, Rússia, Índia e China (os Bric) não será suficiente para compensar a menor expansão nos Estados Unidos e na Europa nos próximos anos, avalia a Organização Mundial do Comércio (OMC).

A entidade considera também que o papel internacional do dólar americano, mesmo se erodido, não vai declinar imediatamente. E que, para o comércio, um sistema monetário internacional com múltiplas moedas em vez de uma dominante significa custos de transação mais elevados e mais incertezas na condução das exportações e importações, numa posição que confronta os projetos do Brasil, China e Rússia, por exemplo.

A OMC enviou ontem a seus 152 países-membros um relatório sobre os desafios para exportações e importações no futuro, como preparação para a conferência de ministros no começo de dezembro.

Entre o fim de 2007 e o segundo trimestre deste ano, a riqueza líquida das famílias nos EUA caiu US$ 12,8 trilhões (quase 20% do total e 88% do PIB). No Reino Unido, a queda foi de US$ 1,6 trilhão, quase 70% do PIE. E chegou a 90% em vários países, o que dá um senso da redução dos gastos no futuro.

Estudos citados pela OMC indicam nesse tipo de cenário um corte entre 1 % e 10% no consumo. Isso significa que uma queda de US$ 10 trilhões na riqueza pode resultar em redução permanente de até US$ 1 trilhão no consumo anual.

A questão é se os emergentes poderão ocupar o espaço deixado pelos países ricos. A OMC nota que, em termos de poder de paridade de compra, os Bric combinados tem o peso da economia dos EUA. Juntos, perfazem 22,2% do PIB global, contra cerca de 20% dos EUA.

Como esses emergentes deverão continuar a crescer mais rápido que os EUA, poderão perfazer 27,4% da produção mundial em 2014, enquanto a parte americana declina para 18,3%. Assim, os emergentes tem condições de impulsionar o comércio global. Mas a OMC aponta dúvidas, com estimativas indicando que, mesmo no caso de queda dramática da conta corrente da China (isto é, indicando mais consumo doméstico), isso só aumentaria o equivalente amenos de 0,5% na demanda global.

Para a OMC, a situação será ainda pior se os governos não conseguirem resistir às pressões do setor privado por barreiras protecionistas. Até o momento, no entanto, as novas barreiras envolvem menos de 1 % do comércio mundial, o que indica que as exportações estão caindo mais de 11 % este ano essencialmente por menor consumo, e não por mais protecionismo.

Ainda que o pior da crise tenha passado, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, insiste que seus efeitos, sobretudo o desemprego, vão persistir.

A entidade constata sinais de "erosão" no papel dominante do dólar na economia mundial. Estima que nos próximos cinco anos a economia americana vai crescer menos do que o resto do mundo. E essa divergência de expansão é particularmente importante em comparação com a China e a Índia. Enquanto os EUA continuarão a ser a maior economia do mundo, sua fatia de produção vai declinar. Futuros déficits fiscais americanos e ameaça de inflação por causa da gigantesca expansão monetária na crise podem erodir a confiança no futuro valor do dólar.

Mas, diz a OMC, é difícil prever, diante de outros fatores, se o dólar será destronado, como ocorreu com a libra esterlina no século 20.

A OMC teme as consequências do bloqueio na Rodada Doha de liberalização comercial. Nos últimos 12 meses, 25 novos acordos regionais de comércio foram notificados. Isso eleva barreiras para os que estão fora, fragilizando ainda mais o sistema multilateral.