Título: Café do Cerrado segue a trilha colombiana
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2009, Agronegócios, p. B10

Com cinco anos de atraso, os cafeicultores da região do Cerrado mineiro imitam os colegas colombianos e pretendem a partir do próximo ano implantar a mesma estratégia que tornou o produto da Colômbia o mais valorizado do mundo: criar uma estrutura única de comercialização e obter a denominação de origem controlada para o café produzido em 55 municípios da região oeste e noroeste do Estado.

Os produtores com denominação de origem são aqueles cujas características estão fortemente ligadas ao meio geográfico: é o caso do uísque escocês, do chá preto indiano, do queijo roquefort e da tequila mexicana. O reconhecimento da denominação de origem garante um diferencial de preço pago por países importadores e é concedido por uma instituição pública do país produtor. No caso do Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

A Colômbia tem parte de sua produção cafeeira com denominação de origem desde 2005. O processo pedindo que o café do Cerrado seja considerado uma denominação de origem deve ser entregue no Inpi em julho de 2010. Até o momento, somente o vinho do Vale dos Vinhedos (RS) e a cachaça de Parati (RJ) contam com esta certificação no Brasil.

Para obter a certificação, o Conselho das Cooperativas do Café do Cerrado (Caccer) decidiu seguir passo a passo o modelo colombiano: chegou a mudar o nome da entidade para Federação dos Cafeicultores do Cerrado (FCC), análoga à Federação dos Cafeicultores da Colômbia, e deve nos próximos meses unificar a estrutura de comercialização, esparsa em oito cooperativas.

Com assessoria do Sebrae mineiro (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), a entidade ainda estuda se será criada uma nova empresa para comercializar as cerca de 2 milhões de sacas produzidas pelos dois mil cafeicultores filiados a este sistema, ou se as vendas serão concentradas em alguma das associações que compõem o sistema.

Os envolvidos no esforço para se obter a denominação de origem fazem avaliações divergentes sobre o alcance da nova certificação. "Uma denominação de origem envolve procedência e qualidade. Envolve ainda a existência de demanda que garanta a comercialização. Tendo como parâmetro o que acontece na própria Colômbia, acredito que cerca de 10% do café produzido no Cerrado poderá ter esta classificação. Isto é um nicho", disse Geraldo Eustáquio de Miranda, presidente da maior cooperativa da FCC, a Expocaccer, que este ano deve vender 450 mil sacas.

A qualidade de um café é medida por um sistema americano de pontuação. Os cafés mais finos conseguem cerca de 80 pontos. Na semana passada, a Expocaccer conseguiu vender um contêiner deste tipo de café para um comprador da Rússia por US$ 204 a saca FOB, preço muito acima do mercado. "Cerca de 5% do café consegue uma pontuação desta", comentou Miranda.

"A partir de 75 pontos poderemos ter incluído cerca de 60% de nossa produção. Dá para pensar em conseguir 1 milhão de sacas de café do Cerrado com denominação de origem", discorda o cafeicultor Francisco Sérgio de Assis, o presidente da FCC. Assis conta com dois milhões de pés de café em sua fazenda Terra Rica, no município de Monte Carmelo, entre Patrocínio e Uberlândia.

Desde 2005 o Inpi concede certificado de procedência para o café do Cerrado, que é um estágio anterior ao da denominação de origem. O certificado de procedência atesta apenas o local geográfico da produção. Hoje, 150 mil das 2 milhões de sacas comercializadas no sistema contam com esta certificação. Na Colômbia, onde a produção de café no ano passado foi de 10,5 milhões de sacas, cerca de 10% do total conseguiu certificação de origem. No Brasil, a produção em 2008 foi de 45,9 milhões de sacas.

O café do Cerrado se diferencia da principal região produtora do país, que é o sul de Minas. Os cafeicultores do Cerrado mineiro são de porte médio ou grande. Em toda a região, incluindo outros 2 mil produtores que não fazem parte da FCC, a safra passada atingiu 4,5 milhões de sacas, o que resultaria em ao menos mil sacas por produtor, em média.

No sul de Minas, a principal região produtora do Brasil, as 12 milhões de sacas colhidas no ano passado vieram de 30 mil produtores, o que dá uma média de 400 sacas por cafezal. Na região do Cerrado, é comum o uso de irrigação e a produtividade chega a 40 sacas por hectare, como na fazenda de Assis. A produtividade média é de 28 sacas por hectare. Já no sul de Minas, segundo dados disponíveis na página da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) na internet, a produtividade média no ano passado foi de 21,9 sacas por hectare.

O grão do Cerrado também se diferencia do colombiano. É maior o grau de mecanização na produção de café da FCC e o produto se caracteriza pelo sabor mais encorpado do que o congênere colombiano. Seu uso é mais apropriado para o café expresso.

Se há divergências entre os cafeicultores sobre a extensão que a denominação de origem poderá ter no Brasil, as apostam também se diferenciam em relação ao prêmio que poderá ser pago sobre a cotação internacional do produto, caso o comercializador trabalhe com esta certificação.

Na Colômbia, o café com denominação de origem recebe um prêmio de US$ 80 por saca, o equivalente a um terço do total. "Aqui poderemos chegar talvez a 20% sobre o valor da saca", arriscou o superintendente da FCC, José Augusto Rizental. "Não acredito em valores de prêmio superiores a US$ 20 a saca, ou algo como 10% do total. Isto porque a demanda pela marca do café do Cerrado ainda será criada", disse Geraldo Eustáquio.

O jornalista viajou a convite do Sebrae