Título: Saída está no mercado interno, diz ministro
Autor: Jorge , Miguel
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2009, Brasil, p. A5

A indústria brasileira é capaz de sobreviver ao dólar desvalorizado, em torno de R$ 1,70, e deve buscar no mercado interno as condições de sobrevivência, defende o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Ao contrário de outros membros do governo que têm defendido ações para desvalorizar o real, ele afirma que as intervenções para elevar a cotação do dólar não devem ser a prioridade da política econômica.

Resignado, Miguel Jorge declara, ainda, que a crise mundial nos mercados financeiros deixou o governo sem "espaço fiscal" para novas medidas de apoio aos exportadores e à indústria. Não há como aliviar as empresas porque o governo tem problemas no orçamento e dificuldades para garantir o superávit fiscal, argumenta, reconhecendo os efeitos da crise sobre a economia brasileira.

Disciplinado, Jorge evita queixar-se do Ministério da Fazenda, onde foram encalhar as propostas que enviou para reduzir a carga fiscal dos exportadores e dos investimentos no país. Mas insiste que as intervenções no câmbio são ineficazes e que a única maneira de auxiliar os produtores nacionais nesse cenário de retração econômica mundial seria adotar medidas para reduzir os custos sobre as empresas, eliminando os impostos sobre investimentos e acelerando a devolução de tributos recolhidos indevidamente.

Ele acredita que será possível manter a redução do IPI para produtos da chamada linha branca de eletrodomésticos e para as mercadorias destinadas à construção civil. Enquanto os países desenvolvidos não retomarem o crescimento, contudo, o país deve se voltar ao mercado interno, e os exportadores, apertarem o cinto à espera de dias melhores, acredita o ministro.

Valor: O senhor é o primeiro ministro do Desenvolvimento que não assume como bandeira a desvalorização do real. O câmbio não é problema?

Miguel Jorge: Quando a política econômica adotou o câmbio flutuante, foi para o bem e para o mal. O câmbio, quando chegou a R$ 4, fez a alegria dos exportadores e a tristeza dos importadores. Agora, faz a alegria dos importadores e a tristeza dos exportadores. O que se tem de fazer entre uma situação e outra é tomar medidas para que o problema câmbio não seja o principal para a competitividade da exportação brasileira.

Valor: Não adianta impedir essa flutuação excessiva do câmbio?

Miguel Jorge: Não, porque aí você fará uma intervenção no câmbio, são medidas artificiais. Quanto mais você compra, mais aumenta as reservas, mais o país se mostra seguro para os investidores, maior a pressão para valorizar.

Valor: O Brasil já atrai muitos dólares. Não caberia alguma medida para reduzir esse efeito no câmbio?

Miguel Jorge: Por que o Brasil atrai dólares? Não é porque os juros estão muito altos, nunca estiveram tão baixos no Brasil, embora tenha espaço para abaixar mais. O país atrai investimentos porque é dos poucos no mundo que tem estabilidade, tem perspectivas de crescimento e mercado interno forte. Ninguém coloca dinheiro em países não confiáveis em termos políticos, estabilidade, de intervenção do governo... Nós deveremos ser, nos próximos anos, um "atraidor" de investimentos.

Valor: Como fazer para evitar que o câmbio derrube a indústria nacional exportadora?

Miguel Jorge: Primeiro que o câmbio a R$ 1,70 não vai derrubar a indústria nacional. Já esteve em R$ 1,60. A indústria nacional tem de se basear nos 86% do nosso Produto Interno Bruto [PIB], que é o mercado interno. O consumidor interno está comprando máquinas, insumos, um monte de coisa. Algumas matérias-primas estão mais caras no Brasil que no mercado internacional, mas quando se tem financiamento em condições iguais às do resto do mundo, o empresário não vai preferir trazer da China, a milhares de quilômetros, sem rede de assistência, sem garantia de qualidade.

Valor: E o empresário que se queixa de que o dólar inviabiliza seus negócios, o que pode esperar?

Miguel Jorge: O que deveríamos fazer é melhorar as condições de financiamento para exportação, as condições de acesso a financiamento para melhoria de produtividade e competitividade, desburocratizar o processo, reduzir os custos trabalhistas, desonerar completamente a cadeia produtiva dos exportados.

Valor: O que pode ser desonerado?

Miguel Jorge: Tem de parar de cobrar imposto que não se devolve. É neurótico, cobra-se imposto dizendo que vai devolver mas não devolve, como no ICMS, por exemplo. Também, no governo federal tem IPI, PIS-Cofins para ser devolvido.

Valor: Quanto somam esses impostos federais não devolvidos?

Miguel Jorge: Os números variam, enormemente. Os que mais ouço variam de R$ 18 bilhões a R$ 20 bilhões.

Valor: O senhor tem falado com outros membros da equipe econômica? E o que impede o governo de devolver o dinheiro?

Miguel Jorge: O que impede é que precisa manter esse dinheiro no Tesouro, está lá fazendo superávit fiscal. É difícil resolver esse problema, mas temos de tentar. Outra coisa que temos falado muito com a área econômica: no Brasil, paga-se entre 18% a 20% na frente, em imposto, para começar um investimento. Compra-se uma máquina, constrói-se um prédio, e pelo menos um ano antes de começar a produzir já se tem de pagar imposto. Imposto sobre a máquina que ainda vai ser transportada, instalada, ligada. Não deveria ser assim, deveria se começar quando a fábrica entrasse em funcionamento.

Valor: O governo não vai tomar medidas adicionais para estimular exportadores, as indústrias?

Miguel Jorge: O problema, e parece que é sério, é a situação de crise não prevista por nenhum de nós, que dificulta esse tipo de decisão. Há desonerações aí de dezenas de bilhões que fizemos desde dezembro, que tornam mais difícil para o governo tomar novas decisões desse tipo.

Valor: Mas a crise já não passou, o país não retomou o crescimento?

Miguel Jorge: Sim, mas a arrecadação não voltou aos patamares anteriores. O país voltou a crescer, mas a situação fiscal ainda não é a ideal, a arrecadação não chega próxima a setembro, outubro do ano passado, antes da crise. Se não tivesse a crise, se o país tivesse crescido uns 5% neste ano, como deve crescer 5% no ano que vem, teria sido muito mais fácil tomar decisões desse tipo, de desoneração. Como não há esse espaço fiscal, durante esse período o que se fez foi manter o país funcionando, uma escolha de Sofia.

Valor: Mas as exportações...

Miguel Jorge: Não é uma questão só de ajustar a cotação do dólar. Em 80% do mundo houve crescimento negativo, uma expressão ridícula, houve queda na economia. Há países ricos na Europa prevendo 6% de queda no PIB neste ano. Esse país compra alimento e o essencial, não compra nada para investir.

Valor: O país precisa, então, rever a prioridade à exportação?

Miguel Jorge: Não adianta rever a prioridade, o fabricante de máquina não vai passar a produzir outra coisa. É um problema, ninguém está comprando máquina. A economia dos Estados Unidos, a Zona do Euro, o Leste Europeu, todos estão derrapando. Infelizmente, temos de esperar atravessar esse período, esses países recomeçarem a crescer, a comprar. Somos um país afortunado porque temos 86% do PIB no mercado interno. Temos de cuidar, nesse momento, por mais antipático que possa ser, do mercado interno, que sustenta nossa economia.

Valor: E como ficam os exportadores?

Miguel Jorge: Grande parte do produtos desses exportadores está indo ao mercado interno, não tem como fugir disso.

Valor: Vocês revisaram as projeções de exportação deste ano?

Miguel Jorge: Não. As exportações, que têm aumentado, devem ficar em US$ 166 milhões.

Valor: Mas setores que dependem muito da exportação reclamam da dificuldade de sobrevivência. O governo não fará mais nada por esses setores?

Miguel Jorge: Como? Não se pode escolher setores. Nos calçados, por exemplo, perdemos muitos mercados porque eles foram ocupados por outros países. É principalmente uma questão de preço. Foi necessário procurar melhoria da qualidade, vender marca. Tem calçadista brasileiro vendendo na China, mas não é sapato de US$ 2.

Valor: A redução do IPI para o mercado interno deu condições às empresas de compensar dificuldades com exportações. Que novas medidas estão em discussão e podem sair?

Miguel Jorge: As mesmas que estavam em discussão antes da crise. A maioria eu diria que não saiu. Estão em discussão no Ministério da Fazenda.

Valor: E a redução do IPI vigente atualmente para produtos como linha branca, e construção civil, vai ter prazo estendido novamente?

Miguel Jorge: Na linha branca, creio que [seria possível] algo vinculado à eficiência energética. Na construção civil já falei ao presidente, tem de ser permanente. A volta do imposto só iria encarecer o custo das casas construídas pelo programa do governo. Creio que ele ficou sensibilizado

Valor: No encontro entre os presidentes de Brasil e Argentina estabeleceu-se que só a partir de 2010 serão rígidos os prazos de 60 dias para liberação de licenças não automáticas para produtos brasileiros naquele mercado. Há, pelo menos garantias de que vão liberar mais facilmente os produtos, aplicar as licenças com maior critério?

Miguel Jorge: Essa reunião resultou no acordo que saiu nos jornais. Nós não deveríamos, e não o faremos, esperar 45 dias, para discutir o assunto na próxima reunião de ministros. Pedi ao pessoal da área de monitoramento comercial para marcar uma reunião (com os argentinos) para começar a negociar esses temas. Nem precisa haver reunião formal, podemos nos reunir por videoconferência, telefone, mas é preciso conversar nesse período. Esse tipo de problema não é para ser discutido por presidentes. A discussão de fundo é se somos ou não um bloco comercial.

Valor: Qual a resposta dos argentinos?

Miguel Jorge: (risos) Ficou como um statement (pronunciamento) .