Título: Mujica atrai eleitor radicado na Argentina
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2009, Internacional, p. A8

Uruguaios, vamos cruzar a fronteira!", conclamam os cartazes afixados na avenida Corrientes, uma das mais movimentadas de Buenos Aires. É do outro lado do rio da Prata, a três horas de barco de Montevidéu, que a Frente Ampla do ex-guerrilheiro tupamaro José "Pepe" Mujica acredita estar a garantia contra qualquer imprevisto no segundo turno das eleições presidenciais do Uruguai, no próximo domingo.

Mujica é o favorito, mas sua dificuldade em conquistar novos votos na reta final da disputa faz crescer a importância da colônia uruguaia na Argentina, a maior no exterior, estimada em ao menos 250 mil pessoas. As últimas pesquisas indicam Mujica com 48% a 50% das intenções de voto, percentual quase idêntico ao que obteve no primeiro turno. O ex-presidente Luis Alberto Calle, do Partido Nacional (branco), tem entre 40% e 42%.

É impossível saber exatamente a divisão política dos expatriados uruguaios, já que eles não podem votar fora do país e continuam registrados nos cartórios eleitorais de suas cidades de origem. Mas todos os partidos concordam em que três de cada quatro votos de uruguaios radicados na Argentina vão para a Frente Ampla, no mínimo. Essa preferência é explicada pelo perfil dos imigrantes: de classe média baixa ou refugiados políticos (e seus descendentes) da ditadura militar, eles são potenciais eleitores de esquerda e já foram decisivos na apertada vitória em primeiro turno de Tabaré Vázquez, em 2004 - quando o atual presidente obteve 50,4% dos votos.

Numa travessa da avenida Corrientes, no quartel-general portenho da Frente Ampla, um grupo de sete militantes reveza-se com a cuia de mate nas mãos. Quase todos fumam sem parar, em meio a uma montanha de adesivos, cartazes e folhetos com as indefectíveis promessas de campanha. Há um entra-e-sai constante de imigrantes. Eles querem passagens.

Para facilitar a presença de seus eleitores nas urnas, a Frente Ampla fechou acordos comerciais com as principais operadoras de ônibus e de barco. Algumas empresas deram 50% de desconto sobre as tarifas convencionais. O partido entrou com o subsídio restante para permitir que qualquer uruguaio chegue ao local de votação por 40 pesos (cerca de R$ 18) - o bilhete de ida e volta.

O casal Carlos Galeano e Leticia López, natural de Mercedes (oeste do Uruguai), foi comprar suas passagens de ônibus na sexta-feira passada. A viagem, pela ponte que liga as cidades fronteiriças de Gualeguaychu e Fray Bentos, costumava durar quatro horas. Mas subiu para sete depois que os argentinos decidiram bloquear a ponte, em protesto contra as fábricas de celulose abertas do lado uruguaio, obrigando os veículos a percorrer caminho bem mais longo.

Na partida decisiva entre Argentina e Uruguai, pela última rodada das eliminatórias para a Copa do Mundo, os manifestantes interromperam excepcionalmente o bloqueio para permitir a passagem de torcedores. Dias depois, no primeiro turno das eleições presidenciais, rejeitaram repetir a medida. "É um espanto, uma vergonha. Dão mais importância a um jogo de futebol?", indigna-se Leticia. Seu marido, há 27 anos residente em Buenos Aires, diz que o esforço vale a pena. Está contente com o governo Tabaré e agora votará em Mujica. Para ele, segurança pública e emprego são as duas questões mais importantes para o país. "O Uruguai melhorou muito nos últimos anos, mas ainda precisa melhorar mais", opina Galeano.

A empresa Buquebus, que tem várias frequências diárias ligando em ferry a capital argentina e cidades como Montevidéu e Colônia, baixou suas tarifas. O preço para idas a partir de sexta-feira e voltas até terça também é de 40 pesos para os eleitores uruguaios e de 75 pesos para seus acompanhantes.

Normalmente, a passagem mais barata - comprada com antecedência e em segunda classe - custa 200 pesos. "Esperamos de 10 mil a 15 mil uruguaios cruzando o rio da Prata no próximo fim de semana", afirma Sergio Machado, gerente de vendas da Buquebus, que pertence a um empresário querido na Casa Rosada e com boas conexões políticas no Uruguai.

O governo argentino deu três dias de folga para os servidores públicos uruguaios e determinou que a iniciativa privada faça o mesmo. Com todas as facilidades, a Frente Ampla espera levar ao menos 25 mil eleitores, mas o cálculo não inclui cidadãos que farão a viagem por conta própria. Só em subsídios para passagens de ônibus, o partido está gastando US$ 10 mil, que arrecadou com simpatizantes e em eventos políticos.

A porta-voz da Frente Ampla em Buenos Aires, Lilián Alfarro, diz que os imigrantes são mal vistos como eleitores. "É uma espécie de ajuste de contas. Os uruguaios que ficaram acham que quem se foi não deve ter mais o direito de escolher os governantes do país", diz. No Uruguai, quem deixa de comparecer às urnas duas vezes seguidas não pode mais votar antes de regularizar a situação. "Como muitos pobres não têm condições econômicas de ir, a participação dos imigrantes caiu muito", acrescenta Lilián. Agora, com todas as facilidades e subsídios, a Frente Ampla diz que não há mais desculpa. Mas seus ansiosos militantes no QG portenho ainda vão acender muitos cigarros até o resultado final.