Título: O marco regulatório do clima pós-Copenhague
Autor: Sampaio , Rômulo S. R.
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2009, Opinião, p. A10

Em dezembro próximo, a comunidade internacional estará reunida para deliberar sobre um novo marco regulatório para o clima, 11 anos após a Conferência das Partes (CoP) que aprovou o Protocolo de Kyoto, em 1997. Embora em vigor há pouco mais de quatro anos e com compromissos que vencem em 2012, o Protocolo de Kyoto é responsável por um verdadeiro legado de experimentos, normas e regulamentos em matéria climática. Como há a necessidade de elaboração das regras para o pós-2012, coube à 15 ª Conferência das Partes em Copenhague a missão de definir o novo marco regulatório para o clima.

A pergunta que fica é a de por que não manter o mesmo quadro normativo? A resposta reside na necessidade de se ajustar ações e práticas malsucedidas e maximizar aquelas que obtiveram bons resultados. As experiências com elaboração de inventários de emissões, transferências de tecnologia, cumprimento de metas de reduções, mercados de créditos de carbono e as tão polêmicas questões em torno das florestas, foram ricas o bastante para que um novo marco regulatório seja concebido e colocado em prática. Soma-se a tudo isso, a pressão cada vez maior para que os países em desenvolvimento (fundamentalmente as economias emergentes, como Brasil, China e Índia) assumam compromissos de redução de gases de efeito estufa, até então restritos aos países desenvolvidos.

Dentro desse contexto, alguns países com maior responsabilidade pelos atuais e críticos índices de concentração de gases de efeito estufa, representatividade e desenvolvimento econômico acelerado podem se consagrar como heróis de uma conferência bem-sucedida ou carregar o fardo por eventual fracasso das negociações. Nesses grupos de países estão incluídos Estados Unidos, países da União Europeia, Rússia, Japão, Austrália, Brasil, China e Índia. Entre tantas economias importantes, o desafio está na conciliação dos diferentes interesses para que possa haver um mínimo de consenso. Experiências históricas com as negociações sobre o clima demonstram divergências sérias entre Estados Unidos, Japão e Austrália de um lado, e União Europeia de outro quando o assunto é florestas, por exemplo. Quanto o assunto é compromisso internacional de redução para emergentes, o desafio é a definição de conteúdo. Enquanto China e Índia têm como principal causa de suas emissões a matriz energética, a do Brasil é o desmatamento.

Ainda nesse clima de incertezas, o comprometimento dos EUA é tido como crucial para que qualquer negociação possa ser bem-sucedida. Sozinho, o país é responsável por quase um quarto das emissões totais do planeta. Para piorar, encontra-se no Congresso americano um projeto de lei sobre energia renovável e mudanças climáticas. Trata-se do projeto de lei Waxman-Markey, mas não haverá tempo hábil para que o Congresso vote antes de Copenhague. E, sem a lei, não haveria qualquer comprometimento dos EUA com as negociações climáticas internacionais. Mais uma recusa americana (a primeira foi ao Protocolo de Kyoto), pode ser decisiva para o fracasso das negociações de Copenhague.

A posição brasileira é ainda mais controversa. Em recentes reuniões com a presença de ministros de diferentes pastas e o presidente Lula, a posição brasileira teria sido definida como restrita à apresentação de compromisso voluntário de redução de emissões quantificados em aproximadamente 38% das projeções para o futuro. Em tempo, a delegação brasileira parece vislumbrar nas posições dos países desenvolvidos, tentativa de desviar o foco das discussões para inclusão das economias emergentes nas metas obrigatórias impostas pelo regime climático para não terem que prestar conta dos fracassos nas ações de mitigação das emissões em âmbito doméstico. Ou seja, a incerteza permanece e a complexa rede de interesses divergentes aponta para certo grau de pessimismo quanto às reais chances de uma negociação bem-sucedida em Copenhague.

Na esfera privada, empresas já se organizam, capitaneadas pelo Centro de Sustentabilidade da Escola de Administração da FGV (GVCes), e começam a deliberar sobre propostas de políticas públicas e estratégias de ação, antecipando-se a um novo marco regulatório internacional. Afinal, qualquer que seja o resultado das negociações em Copenhague, os reflexos certamente serão sentidos e em grande parte suportados pelos setores produtivo e de serviços no âmbito nacional. Os projetos de lei em torno de uma política nacional de mudanças climáticas atualmente perante o Congresso brasileiro refletem bem essa situação.

Portanto, diante dessa complexa rede de interesses divergentes, a única certeza é a de que tudo pode acontecer. O histórico das negociações sobre o clima proporciona rica fonte de especulação sobre o futuro. Baseado em experiências pretéritas e diante da complexidade dos temas a serem tratados em Copenhague, não seria desarrazoado prever o desmembramento da Conferência das Partes, a exemplo do que ocorreu em 2000 durante a CoP 6. Naquela oportunidade, como o consenso não foi possível, decidiu-se pelo desmembramento da conferência para que houvesse mais tempo para harmonização dos interesses divergentes.

A esperança é a de que o insucesso não seja uma alternativa. O problema é sério e atual. A população mundial já percebeu que medidas arrojadas e urgentes são necessárias. O custo político do insucesso em Copenhague é, portanto, muito alto. Resta, assim, apenas esperar pelos reflexos e se antecipar aos impactos de um novo marco regulatório internacional sobre o clima. Seja ele qual for, empresas, sociedade civil e governo terão que se adaptar e cobrar da comunidade internacional a cooperação e planejamento necessários para que os objetivos de mitigação e adaptação sejam alcançados.

Rômulo S. R. Sampaio, professor da FGV Direito Rio, é doutor em Direito Ambiental