Título: Vale fará investimento de US$ 4 bilhões no país vizinho
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2009, Brasil, p. A4

Às vésperas da reunião entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Cristina Kirchner, para discutir as barreiras comerciais entre os dois países, o governo brasileiro deu uma mostra da ameaça que conflitos comerciais podem levar a setores sensíveis do país vizinho: desde sábado, começaram a ser detidos nas fronteiras caminhões com automóveis utilitários de fabricação argentina. Só ontem começaram a ser liberados os cerca de 80 caminhões-cegonha detidos pela alfândega. Em outra demonstração, esta positiva, Cristina foi informada de que a Vale investirá quase US$ 4 bilhões na exploração de potássio das reservas argentinas.

A reunião, que foi antecedida de reclamações por parte dos argentinos, devido às barreiras comerciais levantadas em outubro pelo Brasil, terminou com discursos de ambos os presidentes defendendo o Mercosul e classificando de "pontuais" os problemas no comércio. Na prática, continuam valendo as exigências de licenças prévias não automáticas para vários produtos no comércio entre os dois países. Mas, como antecipou ontem o Valor, ambos se comprometeram a respeitar o prazo de 60 dias para liberação das licenças. Decidiram, ainda, uma intensa agenda de encontros de presidentes e ministros.

Os empresários que participaram do almoço criticaram a manutenção das barreiras comerciais na Argentina, mas mostraram esperanças de que o país evite novas medidas arbitrárias e passe a respeitar o prazo máximo de 60 dias. O governo brasileiro ainda tem a expectativa de reduzir gradualmente as exigências de licenças prévias. "É impossível resolver questões como essas em quatro horas", argumentou o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, que insiste em negociar um cronograma com os argentinos, para remoção das barreiras ao comércio.

Logo no início das reuniões técnicas, ontem, a retenção de caminhões, com picapes Toyota HiLux, foi mencionada pelo diretor internacional de Relações Econômicas argentino, Alfredo Chiaradia, que acusou o Brasil de uma "escalada" no protecionismo, envolvendo o importante setor automotivo, que representa 40% do comércio bilateral.

O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, minimizou o incidente, dizendo que o caso nada tinha a ver com as licenças automáticas e a retenção havia ocorrido devido a acusações (não comprovadas) de que as caminhonetes estariam desobedecendo as normas de origem do Mercosul.

Ontem, havia 120 pedidos de licença em análise, e seriam liberados, garantiu Barral a Chiaradia. Os argentinos pareciam conformados com a explicação, à saída das negociações, que começaram às 8h e avançaram durante o almoço dos presidentes. Chiaradia pediu aos brasileiros compreensão para o "momento político", indicando que as pressões do setor privado reduzem a margem de manobra do governo de Cristina Kirchner.

A decisão de investimento da Vale foi saudada, sem menção ao nome da empresas, pela presidente Cristina Kirchner, que, ao discursar durante o almoço, comentou que uma "grande empresa" brasileira estava prestes a anunciar "grandes investimentos" no país. À tarde, a Vale emitiu nota confirmando a decisão, ainda a ser submetida ao Conselho de Administração da empresa - o que, segundo interlocutores do governo, é uma formalidade. O assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, apontou os investimentos da companhia como um exemplo do interesse do Brasil em estimular a "integração produtiva" entre os dois países, apontada por Lula como a única forma de superar os recorrentes conflitos comerciais entre ambos.

Os investimentos da Vale são os maiores de uma empresa brasileira na Argentina, equivalentes a mais da metade dos US$ 7 bilhões investidos por companhias brasileiras no país nos últimos seis anos. O chamado projeto Rio Colorado, na província de Mendoza, começará em 2010 e deve estar em produção a partir de 2013. Incluída no plano estratégico da empresa e parcialmente financiada pelo BNDES, prevê instalações para extração de 2,4 mil toneladas de cloreto potássio, construção de um ramal ferroviário de 350 km, instalações portuárias e uma usina termelétrica.

"Nossa resposta à crise deve ser mais comércio e investimentos, mais negócios e integração produtiva", discursou Lula, que fez uma crítica direta às medidas argentinas. "O protecionismo não é solução." Cristina reconheceu a superioridade da economia brasileira, como argumento para defender maior flexibilidade do governo Lula com as demandas argentinas. Lembrou que as Aerolíneas Argentinas decidiram comprar 20 aviões EMB 190 da Embraer e afirmou que o superávit do Brasil com a Argentina ajuda a compensar o déficit que o Brasil tem no comércio de manufaturados com outros países.

Ela repetiu a palavra "inteligência", ao afirmar que os dois governos teriam de ter "suficiente inteligência" para superar "pequenas dificuldades" em favor da "relação estratégica". "Nós, argentinos e brasileiros não podemos ser tão néscios (estúpidos) de não nos darmos conta do caráter de associatividade que temos de ter."

A solução prática dos recorrentes atritos comerciais, porém, ficou para os ministros. Os presidentes decidiram reduzir o prazo entre suas reuniões, de seis meses para três, e determinaram que os ministros de Relações Exteriores, de Economia e de Comércio se reúnam a cada 45 dias para decidir sobre os problemas no relacionamento bilateral.