Título: Decisão do STF coloca futuro de Battisti nas mãos de Lula
Autor: Carvalho , Luiza
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2009, Política, p. A10

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por cinco votos a quatro, pela extradição de Cesare Battisti, ex-ativista italiano condenado em seu país à prisão perpétua por participar do homicídio de quatro pessoas na década de 1970, quando integrava o grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). O julgamento já se desenrola há três semanas na mais alta Corte do país, mas a novela parecer longe de terminar.

Os ministros decidiram, pela maioria de votos, que cabe ao presidente da República a palavra final sobre o destino de Battisti. O próximo desdobramento é se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá ou não acompanhar o entendimento do Supremo pela extradição, o que, para alguns ministros, pode tornar inútil todo o trabalho da Corte.

Mas Lula deve se apegar à tradição da política externa brasileira e conceder o refúgio a Battisti Segundo apurou o Valor com um ministro próximo do presidente, "se a decisão do STF fosse determinativa, não teria como o governo agir de maneira diferente - mas a sentença foi apenas indicativa pela extradição"

Há na tendência de Lula também um forte componente eleitoral: o presidente não quer desagradar ao PT e a todos os demais segmentos de esquerda que sempre o apoiaram, às vésperas de uma campanha presidencial. É um comportamento que o presidente vem acentuando à medida que se aproxima a eleição.

Um ministro que acompanhou de perto o assunto disse que o STF já "havia exorbitado de suas atribuições" ao julgar o pedido de extradição de Cesare Battisti. "Concessões de refúgio político são um assunto de política externa. Pela Constituição, esta matéria é prerrogativa do Executivo". Lula não tem prazo para decidir - antes devem ser publicados os acórdãos do STF.

A concessão de refúgio a Battisti provocou um mal-estar entre Brasil e Itália. O governo italiano tem pressionado pela extradição do réu, que chegou a se classificar como "troféu" para Silvio Berlusconi, presidente da Itália. A polêmica em torno de Battisti começou, no Brasil, em março de 2007, quando o ex-ativista foi preso no Rio de Janeiro e pediu refúgio político ao Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). O pedido foi aceito pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, sob o argumento de que o processo que correu na Itália e resultou em sua condenação não respeitou o direito à ampla defesa do réu.

Assim que o julgamento iniciou, algumas senhoras gritaram pela "liberdade de Batisti" dentro do plenário, e foram retiradas à força pelos seguranças. A votação estava empatada em quatro votos a quatro. O voto de desempate do ministro Gilmar Mendes seguiu a linha do relator do processo, o ministro Cezar Peluso, que considerou que os crimes cometidos por Battisti são comuns, e não políticos. "Diante das descrições dos crimes de sangue, praticados de forma premeditada, não vejo como poderiam ter o mesmo caráter de crimes políticos, que são cometidos em meio a um levante social ou contestação de um regime político", disse o ministro Gilmar Mendes.

O ex-ativista foi condenado à prisão perpétua na Itália, em 1993. Mas, para que se autorize a extradição, há a condição de a pena ser limitada a 30 anos, como estabelecem as leis brasileiras. Battisti responde também a processo criminal no Brasil por falsificação de documento e posse de passaporte falso. Normalmente, depois da decisão pela extradição e caso o acusado esteja envolvido em um processo judicial no país, o presidente da República tem a opção de permitir que o réu responda pelo processo até o seu término para que depois seja devolvido ao país de origem.

A segunda etapa da votação no Supremo, que consistiu em definir se o Poder Executivo teria ou não poderes para adotar outro entendimento que não fosse o da Corte e manter Battisti no país, foi marcada por outra votação tão acirrada quanto a primeira. Por cinco votos a quatro, os ministros decidiram que o Supremo apenas autoriza a extradição, mas quem a defere ou não é o presidente da República. "O Judiciário é um rito de passagem necessária, mas o processo de extradição começa e termina no Executivo", diz o ministro Carlos Ayres Britto. Para ele, o papel do Supremo no processo de extradição se justifica para assegurar direitos humanos mínimos ao réu.

Ficaram vencidos o ministro Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski. Para o ministro Gilmar Mendes, o pedido de extradição não comporta recusa do Poder Executivo, pois há o compromisso com o outro Estado que o governo deve honrar - no caso, o Tratado de Extradição entre Brasil e Itália, firmado em 1989. "O Supremo não é órgão de consulta. Não se pode indicar um caso sequer em toda a história em que o presidente da República negou a extradição quando determinada pelo Supremo", disse Mendes.

De acordo com o ministro Cezar Peluso, relator do processo, não há nenhuma norma que autorize o presidente da República a não cumprir uma decisão de extradição do Supremo. "Se o presidente da República se recusa a cumprir a decisão do Supremo torna absolutamente inexplicável toda a atividade do STF, pura perda de tempo, como se fosse uma atividade de brincadeira infantil.", afirmou Peluso. Além disso, para o ministro, em caso de descumprimento pela Presidência, torna-se injustificável a gravíssima medida de privação de liberdade do réu por tempo largo. "Seria um ato puro de crueldade estatal manter um homem preso a título nenhum", diz.

O Itamaraty informou, pela assessoria de imprensa, que o tema saiu da esfera do Ministério de Relações Exteriores e está com o presidente da República, a quem cabe a decisão. Quando o assunto foi discutido dentro do governo, o Itamaraty defendeu a extradição, alegando que seria o compromisso do Brasil, de acordo com seus tratados com a Itália. As manifestações do Ministério da Justiça irritaram o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, que decidiu então manter-se à margem, apenas aconselhando Lula que não desse ouvidos a seu colega de ministério Tarso Genro.

Tarso Genro, criticou o voto de Gilmar Mendes, favorável à extradição, classificando-o de surpreendente e dúbio. "Ele concordou com o meu despacho técnico de que o grupo ao qual Cesare Battisti pertencia exercia atividades políticas. Mas desvinculou esta análise dos delitos cometidos por Battisti". Para o ministro, "quem mudou a interpretação foi o Judiciário, a quem cabe interpretar as leis". O ministro da Justiça disse que não são defensáveis os argumentos de que os assassinatos pelos quais Battisti foi condenado na Itália são hediondos e movidos por vingança, e não frutos de uma ação política. "Em outros julgamentos semelhantes, o STF concedeu o refúgio", disse. (Colaborou Sergio Leo)