Título: Cadastro positivo ainda é mal compreendido no Brasil
Autor: Valim , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2009, Opinião, p. A16

O modelo de crédito no Brasil é primitivo e dá sinais de esgotamento em sua eficácia. Ter o crédito evoluindo com a inadimplência no mesmo sentido não parece ser um bom negócio para a sociedade. Inadimplência alta é sinônimo de risco maior e, portanto, de taxas de juros caras. Como a inadimplência corresponde a 37,3 % do spread bancário, sem uma forma adequada e moderna de conceder crédito, o país estará condenado à perpetuação dos juros elevados e crédito limitado. Além de inibir investimentos, produção e consumo.

O cadastro positivo é a resposta que vários países buscaram e buscam para ter melhor qualidade de crédito e gerenciamento efetivo do risco. A qualidade do crédito é requisito fundamental para o desenvolvimento de uma economia, portanto deve ser tratada de forma científica. Como modelo estatístico, o cadastro positivo agrega as informações comportamentais de pagamento de crédito do consumidor, as chamadas informações positivas, às negativas já existentes. Com este conjunto completo de informações é possível ter a mensuração precisa do risco individual. E sabendo mais sobre o risco, as taxas de juros caem e, na sequência, a inadimplência. Segundo o Banco Mundial, o cadastro positivo está presente em cem países.

No ambiente das informações positivas, a pessoa física ter uma boa história de crédito passa a ser fundamental para arcar com juros menores. Com isso, o próprio consumidor será mais disciplinado financeiramente, evitando o superendividamento. Isso aliado ao conhecimento do concedente sobre o quanto o consumidor está tomando no sistema financeiro, no comércio etc, via compartilhamento de informações. Na configuração atual do crédito no Brasil, tanto faz ser bom pagador ou não, pois todos pagam como mau, pelo risco mais alto, representado pelos juros elevados, causando uma socialização da inadimplência. Além disso, como os diversos setores não sabem a respeito do crédito dado ao consumidor, este recebe inúmeras propostas de recursos muito superiores a sua real capacidade de pagamento.

Um aspecto muito importante do cadastro positivo é que onde foi implantado, ampliou-se a inclusão das pessoas no crédito. Por exemplo, no Chile, 2/3 dos empréstimos eram feitos para homem. Com o cadastro positivo, houve uma inserção das mulheres. No México, houve aumento do crédito nas classes de baixa renda, que antes, praticamente, não contavam com financiamentos. Nos Estados Unidos, houve aumento na participação do crédito por várias características demográficas, como grupos diferenciados, minorias étnicas, por idade e por sexo.

Outro ponto determinante para o correto funcionamento do cadastro positivo, se refere às empresas: é o compartilhamento das informações positivas, porque o das negativas já existe. Em 1981, os economistas Joseph Stiglitz (que 20 anos depois se tornaria um Nobel) e Andrew Weiss, fizeram uma nova abordagem da teoria do racionamento de crédito. Na ocasião, eles apontaram que a utilização de informações imperfeitas, que é a assimetria no mercado de crédito gera a seleção adversa. Os autores consideravam que a escassez no crédito era resultado dessa seleção, onde não se distingue os bons dos maus pagadores. Por conta disso, diziam Joseph Stiglitz e Weiss, que nesse ambiente permanecem as elevadas taxas de juros e de inadimplência.

Com Stiglitz e Weiss fica evidente que a assimetria de informações restringe o crédito, pela falta de conhecimento do risco para quem está se emprestando, o que leva à inadimplência. Para evitar esse problema, era sugerido o uso de informações diferenciadas de clientes, com apuração de risco individualizado, no formato do compartilhamento de informações presente no cadastro positivo.

A respeito do compartilhamento de informações, algumas empresas se preocupam com a concorrência. Isso acontece porque muitas organizações encaram, de forma errônea, a troca de informações como um acesso ao seu ativo mais importante. Muita coisa ocorre fora dos cadastros próprios da empresa, pois nenhuma representa o mercado. O que precisa ficar claro é que a sobrevivência e a própria competitividade das empresas dependem da eficiência de seu processo de informação.

Os problemas identificados na informação de crédito, apontados por Stiglitz e Weiss, como responsáveis pela restrição na oferta de recursos, citados há 28 anos, são exatamente os que existem no Brasil de hoje, sem compartilhamento de dados, somente com informações negativas, com seleção adversa e inadimplência alta.

Sabendo que a maior disponibilidade de informações torna o risco mais conhecido, John Barron (professor da Purdue University) e Michael Staten (professor da Georgetown University) realizaram um estudo com 50 países que adotaram o cadastro positivo para quantificar as principais vantagens que tiveram. Segundo os autores, nesses países a inadimplência caiu 43% em comparação ao sistema exclusivo de informações negativas que tinham; ainda houve um acréscimo de 90% no número de pessoas que solicitaram crédito e foram atendidas. O Banco Mundial fez uma projeção, caso o Brasil adote o cadastro positivo. A inadimplência do consumidor deve cair 45%. Dessa forma, se for considerada a estatística do Banco Central, de setembro, o patamar de inadimplência de 8,4%, cai para 3,8%, com volume de crédito superior. O cadastro positivo é muito favorável ao consumidor, pois facilita a sua evolução econômica, com a aquisição da casa própria, acesso aos bens de consumo e educação. O melhor é que livra o consumidor do estigma de mau pagador. Ele passará a ser visto positivamente, porque o brasileiro é bom pagador.

A par dessas referências, se percebe que o cadastro positivo não é bem compreendido no Brasil. Essa questão cultural precisa ser urgentemente revertida para que o país tenha crescimento sustentado, com segurança, qualidade e, sobretudo, com confiança.

Francisco Valim é presidente da Serasa Experian e da Experian América Latina.