Título: Economia não precisa mais de incentivos para crescer
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Fonte: Valor Econômico, 25/11/2009, Opinião, p. A14

A economia brasileira ganhou fôlego e a mediana das projeções dos analistas, reunidas no boletim Focus, aponta um robusto crescimento de 5% no ano que vem. Os balanços das empresas de capital aberto indicaram que o terceiro trimestre foi o ponto de inflexão, a partir do qual ficam para trás os resultados insatisfatórios causados pela crise global, e reaparecem bons lucros, especialmente nos setores que dependem do mercado interno. O comércio varejista aposta em grandes vendas para o fim do ano, período de maior faturamento do setor. Grandes redes preveem aumentos de receitas na casa dos dois dígitos, até 30%. O emprego, que não sofreu redução sensível durante a crise no setor de serviços, começa a se recuperar na indústria, onde os cortes foram drásticos. O rendimento salarial escapou quase ileso da rápida recessão de dois trimestres. A conjunção de muitos indicadores positivos, aos quais se acresce uma inflação bem comportada, permite esperar uma expansão forte da economia em 2010 e, talvez, um superaquecimento.

Diante desse cenário, é incompreensível que ainda se discuta no governo a prorrogação de incentivos fiscais, como o IPI de eletrodomésticos e construção, concedidos durante a crise como medida anticíclica para recuperar a economia. O dinheiro gasto com esses estímulos que deixaram de ser necessários para incentivar o consumo faz falta para aumentar os investimentos, agora o fator primordial para alavancar a expansão sem repiques inflacionários.

Uma das hipóteses para a sobrevivência de estímulos ao consumo é o clima eleitoral, em um ano em que o presidente Lula terá de fazer tudo e mais um pouco para eleger seu sucessor. Uma economia aquecida às vésperas das eleições é uma propaganda quase imbatível, embora suas consequências não tardem a surgir. Os exageros que forem cometidos agora podem ter efeitos nefastos antes do que se imagina. Podem, por exemplo, antecipar a expectativa de aumento dos juros para antes das eleições, caso a recuperação caminhe muito rapidamente. E, nesse caso, o aumento dos juros e a contenção do crescimento não contariam pontos para o candidato governista.

Os resultados do governo central até setembro mostram que, no final das contas, foram dispendidos quase 3% do PIB a mais nos primeiros nove meses do ano em relação ao mesmo período de 2008 para estimular a economia e deixar a recessão para trás. Essa é a diferença entre o resultado primário no período entre 2008 (3,74% do PIB) e agora (0,74% do PIB). Grande parte desse dinheiro, porém, não foi aplicado em medidas anticíclicas, mas no aumento salarial do funcionalismo público, que não pode ser revertido. As despesas com pessoal e encargos sociais cresceram 19,1%, quase igual aos 19,2% dispendidos com custeio e capital. Mas enquanto a despesa com pessoal avançou cerca de R$ 17 bilhões, a com investimentos cresceu R$ 2,3 bilhões. Uma outra comparação indica que o pêndulo foi muito desequilibrado a favor do aumento da folha de pagamentos pública. Todas as desonerações de impostos federais para pessoas físicas e setor produtivo no ano até outubro atingiram R$ 21,6 bilhões.

Não há dúvidas de que, com a recuperação econômica, a receita fiscal dará novo salto e o superávit primário pode voltar a crescer - se houver vontade política explícita do governo. Em ano eleitoral, não se sabe se ela existe. Os sinais de gastança, afinal, têm outro efeito nocivo diante da aproximação de uma eleição presidencial. Eles estimulam políticos e lobbies organizados a apresentar pesadas demandas sobre os cofres públicos.

A conta recente de benesses em curso no Congresso, com chances de virarem despesas efetivas, chega a R$ 100 bilhões, a maior parte tendo como alvo a Previdência. O governo deveria jogar duro para mostrar que voltará à austeridade fiscal depois de um ano atípico que, por causa das ações por ele tomadas, não foi tão ruim quanto poderia ser. Ainda que não haja um risco de a solvência do setor público voltar a ser um fantasma, todo o esforço fiscal deveria se concentrar em abrir espaço aos investimentos. Gastos errados impedirão a economia de crescer consistentemente a longo prazo.