Título: Governo teme que racha nos royalties leve à obstrução
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2009, Política, p. A9
Após a forte reação do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), contra a articulação de Estados não produtores de petróleo por mais royalties das reservas do pré-sal, o governo federal deu sinal verde para reabertura das negociações. Está em discussão a repartição da receita da exploração dos campos já licitados, mas sem mexer na cota dos produtores. A União estaria disposta a ceder parte de sua arrecadação.
Em visita ao Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a Cabral que iria suspender a votação do projeto de partilha do pré-sal enquanto não se resolvesse o impasse sobre a divisão dos royalties nas áreas já licitadas. Os dois se reuniram no início da tarde de ontem, antes de participarem da Convenção Mobilidade Sustentável na Renovação Urbana. Lula não prometeu interceder em favor do Rio na nova disputa sobre os royalties, mas garantiu que o Congresso iria esperar até que o impasse seja resolvido.
A proposta já em negociação pelo relator, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), com o Palácio do Planalto aumenta os recursos destinados ao país todo com a exploração dos campos já licitados, segundo as regras dos fundos de participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), retirando os royalties da parcela da União e não dos produtores confrontantes (que têm campos de pré-sal defronte do seu litoral), como Rio, Espírito Santo e São Paulo.
Apesar disso, através de sua assessoria, o governador do Rio manteve sua posição que informou ser de legítima defesa da população do Rio. Setores do governo do Rio começam a ter uma avaliação negativa das relações com o governo federal, consideradas muito boas até agora e a temer que o andamento do debate dos royalties possa causar uma mudança de rumo na aliança.
A avaliação feita é que as perdas que o Rio já aceitara ao concordar com o projeto dos royalties para pré-sal na fase anterior à ofensiva dos governadores do Nordeste, mais o que poderá perder se prevalecer o ponto de vista dos que querem modificar as regras para áreas já licitadas e até para áreas já em produção, serão infinitamente maiores do que os recursos que vem obtendo do governo federal com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Deixando prevalecer esses pontos de vista, Lula estaria empurrando o governo Cabral para o campo da candidatura do PSDB à sucessão de Lula.
Para o deputado Hugo Leal (PSC-RJ), é o governo federal quem está permitindo toda esta discussão. Foi um projeto do deputado Antonio Palocci (PT-SP) que alterou primeiramente a distribuição da participação especial, colocando-a no Fundo Social. "Como o governo não se manifestou e o projeto seguiu, começou a crescer na Câmara a vontade de mudar também os royalties e, esta semana, chegamos a este ponto", explica Hugo Leal. "Tivemos até panfletos aqui acusando o Rio de ter uma situação privilegiado".
Henrique Alves discutiu ontem essa proposta com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e pretende buscar "aval" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia de mexer com os recursos da União resulta da preocupação com eventuais questionamentos jurídicos por parte de Estados produtores, caso fosse alterada a arrecadação destinada a eles pelos campos já licitados.
"A União é um ser abstrato. Retirar recursos dela e repassar para Estados e municípios não é penalizar a União. É fazer uma distribuição direta", defendeu Henrique Alves. Para o relator, também líder do PMDB, está clara a tendência da Câmara de mexer nas regras para aumentar os recursos dos royalties para Estados e municípos não produtores. "Não posso tapar os olhos e ouvidos para o que o Congresso está me dizendo."
Deputados do Nordeste e de outros Estados não produtores reagiram de forma enérgica contra as declarações de Cabral. Ele acirrou os ânimos na Câmara dos Deputados, onde tramitam os projetos do marco regulatório do pré-sal. O governador fluminense disse que os articuladores do movimento por mais royalties "querem roubar" o Rio.
A falta de acordo e o clima de beligerância levaram o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), a adiar para a semana que vem a votação do projeto de lei que define novo modelo de exploração dos campos de pré-sal (partilha em vez da concessão).
"Cabral quer ser herói da batalha perdida", afirmou o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), que chamou de "inabilidade" e "grosseria" a reação do governador fluminense e de parlamentares do Rio. O pré-candidato a presidente disse que, se a proposta do Nordeste - que ele considera "desconcentração de renda" - fosse a plenário, seria aprovada, por ter apoio majoritário na Casa.
"Como não queremos exercer nossa maioria, é melhor buscarmos entendimento", disse Ciro. Segundo ele, a "truculência" de Cabral e de parlamentares do Rio prejudica o entendimento.
"A declaração de Cabral foi um tiro no pé", afirmou o líder do PSB, Rodrigo Rollemberg (DF). "Ele está com problemas eleitorais e está querendo jogar para a plateia", completou. O líder do PSB encampou a luta por uma distribuição mais equitativa de royalties e apresentou emendas ao projeto. "Como ex-parlamentar, o governador deveria saber que aqui é uma Casa Legislativa e se ganha no voto e não no grito."
Sem citar nomes, Cabral acusou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), o principal articulador do movimento, de fazer "proselitismo" e "demagogia". Campos é presidente do PSB de Ciro e Rollemberg. Para outro deputado do PSB, Júlio Delgado (MG), definiu como "chiliquinho" a irritação de Cabral.
O governador fluminense classificou como "butim" a tentativa de retirar recursos aos o Rio tem direito garantido pela Constituição, por ter campos de pré-sal defronte do seu litoral. Para ele, seria um "precedente perigosíssimo" se a Câmara alterasse as regras dos royalties do petróleo dos campos já licitados e que não aceitaria negociar "um centavo sequer" desses recursos.
O governo está preocupado com a divisão de sua base aliada por causa da disputa em torno dos royalties. O receio é com os dividendos políticos que o racha pode dar ao DEM. A oposição pretende obstruir a votação e pode fazer alianças pontuais com governistas insatisfeitos.
Outra preocupação é que essa polêmica está ofuscando a discussão principal do marco regulatório do pré-sal, que é a mudança no modelo de exploração. "Temos que reconsensuar a base. A discussão do modelo ficou secundarizada pela disputa por royalties", alertou o deputado José Genoino (PT-SP).
O líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP), reuniu ontem a bancada, para tentar fechar questão em torno da aprovação do projeto da partilha. Até o presidente eleito do partido, José Eduardo Dutra, participou. Mas o clima entre os petistas foi desfavorável a uma orientação fechada.