Título: Bolsa laptop é sucesso no Uruguai e favorece candidato governista
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2009, Internacional, p. A12

Na Escola 17 de Montevidéu, a professora de 5ª série entra na sala de aula de uma terça-feira nublada e se empenha em conter a bagunça dos alunos de dez anos. "Abram seus laptops", pede às crianças. No dia seguinte, elas farão aos pais uma exposição sobre o grande assunto do ano letivo: as Américas. Os estudantes começam a trabalhar - elaboram fichas dos países em Power Point, constroem gráficos sobre sua população no Excel e acessam páginas de jornais estrangeiros na internet para buscar as informações mais atuais.

Os computadores foram dados pelo governo do Uruguai às crianças, como parte do Plano Ceibal (abreviatura para Conectividade Educativa de Informática Básica para o Aprendizado em Linha), criado pelo presidente Tabaré Vázquez em dezembro de 2006. É o programa de maior popularidade do governo e sobre o qual está sedimentada boa parte da aprovação recorde de 71% dos uruguaios a Tabaré, às vésperas de ele completar seus cinco anos de mandato, segundo o instituto de pesquisas Equipos Mori. Politicamente, tem efeito similar ao do Bolsa Família no Brasil.

O ex-guerrilheiro José "Pepe" Mujica, candidato do governo, é favorito para vencer o segundo turno da eleição presidencial, no domingo. Para tranquilizar os alunos e buscar os preciosos votos de seus pais, o oposicionista e ex-presidente Luis Alberto Lacalle teve que declarar reiteradamente que não extinguirá o Plano Ceibal e chamou-o de "maravilha do doutor Vázquez".

Em menos de três anos, o governo investiu US$ 120 milhões na compra de 400 mil laptops e diz orgulhosamente que o Uruguai é o primeiro país do mundo a universalizar o acesso à internet com computadores pessoais para a rede pública de ensino primário. Eles se tornam propriedade dos alunos. Outras 100 mil máquinas deverão ser compradas para atender a todos os estudantes do ensino médio até o fim de 2010. São equipamentos relativamente simples, inspirados no modelo difundido pelo cientista americano Nicholas Negroponte, que saiu pelo mundo divulgando o projeto "One Laptop per Child" (um laptop por criança) e ajudou na implementação do projeto.

Os computadores têm 256 MB de memória e capacidade para armazenar 1 GB de arquivos - uma configuração que não impressiona os viciados em tecnologia. Mas possuem câmera acoplada e os alunos têm acesso ilimitado à internet, dentro das escolas ou perto de quatro mil pontos de conexão gratuita sem fio instalados pelo governo.

O custo médio de cada máquina é de US$ 188. Na primeira licitação, a taiwanesa Quanta - que fabrica o modelo XO de Negroponte - ofereceu um preço 20% inferior ao da Intel e venceu a disputa. Na segunda, os preços foram quase idênticos, mas Negroponte e Quanta incluíram 5 mil laptops de presente. A terceira licitação, para a compra de equipamentos aos alunos de ensino médio, sairá em dezembro.

O engenheiro Miguel Brechner, presidente do Laboratório Tecnológico do Uruguai (Latu) e idealizador do Ceibal, diz que que o plano compromete menos de 5% do orçamento anual para a educação. De acordo com ele, os resultados já são visíveis, embora ainda não tenham sido medidos empiricamente. "As crianças fazem mais lição de casa, veem menos televisão e faltam menos na escola", afirma Brechner.

Mas o projeto tem um caráter mais social do que educativo, argumenta o engenheiro. Dos 380 mil laptops já distribuídos - o restante está nas mãos dos professores -, 220 mil foram para crianças de lares em que não havia nenhum computador. Desse total, 110 mil foram para famílias situadas abaixo ou bem na faixa da pobreza, segundo ele.

Naturalmente, nem tudo saiu como o governo esperava. Cada computador tem uma trava que pode ser acionada quando a máquina é roubada, mas isso não impediu que algumas unidades fossem encontradas com narcotraficantes, como pagamento por drogas. A rede instalada é bastante veloz - 4 megabits por segundo (mbps) -, mas fica lenta quando os alunos fazem atividades conjuntas e se conectam à internet ao mesmo tempo.

Pequenos acidentes, como bolas de futebol que quebram a tela do computador, são constantes. O governo se responsabiliza pelo conserto das máquinas, mediante o envio por correio do laptop. Mas logo descobriu que os pais não faziam isso. "Eles desconfiavam que jamais receberiam o computador de volta", explica Brechner. Agora, o reparo é feito por técnicos enviados.

Além do custo unitário de aquisição dos computadores, há uma despesa média de US$ 60 por máquina para conexão à internet, assistência técnica e peças de reposição. A partir de 2010, com o ganho de escala, esse valor cairá para US$ 21. Para repor os equipamentos às crianças que chegam à rede pública de ensino, o governo gastará mais US$ 10 milhões por ano, na compra de 50 mil máquinas.

Mônica Bruguera, diretora da Escola 17 de Montevidéu, está convencida de que o investimento vale a pena. A instituição recebe os alunos por período integral. No horário de almoço, que dura uma hora, a rotina mudou completamente. "Antes tínhamos que ficar em alerta o tempo todo, apartar pequenas brigas e cuidar para que as crianças não se machucassem nas brincadeiras. Agora elas carregam os computadores e ficam concentradas o tempo todo."

Para a diretora, o ganho no aprendizado dos alunos é evidente, mas alguns cuidados são recomendáveis. "O computador pode reforça a tendência ao individualismo, principalmente nas crianças que já são retraídas", opina. Uma de suas preocupações recentes têm sido que os alunos não deixem de se interessar pela prática de esportes e não abandonem o hábito de consultar os livros da biblioteca. "Tomadas essas precauções, o computador não corta a criatividade. Ele encurta os caminhos do conhecimento", afirma Mônica.

Muitos professores uruguaios resistiram à ideia de trabalhar com laptops em sala de aula. O governo tem um controle estatístico de quantas horas os estudantes de cada escola passam na internet. "Onde há pouco uso, mandamos uma equipe de apoio", explica o presidente do Latu. O Ministério da Educação fomentou a criação de blogs para professores compartilharem experiências de tarefas com as máquinas. A televisão pública tem programas que transmitem algumas ideias. Os próprios professores recebem um subsídio - desconto de US$ 100 e isenção do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) - para comprar computadores mais sofisticados.

Hoje, Brechner lembra sem rancor o primeiro contato que tentou fazer com Negroponte, no fim de 2005. "Durante meses ninguém da equipe dele nos atendeu. Diziam que o Uruguai era um país pequeno demais, que Brasil e Argentina iam comprar 1 milhão de laptops cada."

Sem avanços nos dois países vizinhos vizinhos ao pequeno Uruguai, é justamente nele que o projeto parece plenamente consolidado. Na sala da 5ª série da Escola 17, a professora Roxana Popich se orgulha dos pupilos. "Eles se distraem muito menos e às vezes trazem de casa tarefas que nem sequer pedimos." Mas ela confessa que tem enfrentado algumas dificuldades. "Virou um drama terminar a aula. Os alunos não querem desligar o computador", diz Roxana.